Arcanos Maiores

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Tarot de Marselha

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Tao Te Ching





Conforme a tradição taoista o autor do Tao Te Ching foi o sábio Lao Tzu. Alguns estudiosos consideram sua figura mítica, outros asseguram sua existência histórica, que seria contemporânea a Confucio de que se diz era seu admirador e lhe considerava como mestre. Em relação a sua historicidade existem pelo menos quatro opiniões: 1) Lao Tzu é a mesma pessoa que Lao Tan do séc. VI e, portanto pode ter recebido a visita de Cofuncio; 2) Lao Tzu viveu no período das "Primaveras e Outonos" ( por volta de 774-481), mas lhe é negada a autoria do Tao Te Ching; 3) Viveu na época dos reinos combatentes (404-221), mas não se pode certificar sua autoria do Tao Te Ching; 4) Não é uma personagem histórica. Entretanto os estudiosos são quase unanimes em afirmar: "Contudo, apesar do seu carácter assistemático, o Tao Te Ching exprime um pensamento coerente e original. Temos, pois, de admitir a existência de um filósofo que deve ser, se não o autor direto, pelo menos o mestre cuja influência foi, na origem, determinante. Não existe o menor inconveniente em continuar chamando-o Lao Tzu". (Mircea Eliade)  

Independente das discussões entre os eruditos sobre sua origem e autoria, especialistas que foram sempre tratados com a devida reserva pelo misterioso autor desse verdadeiro clássico do pensamento humano, devemos considerar a coesão de estilo, a fluência do texto, e a consistência de conteúdo como uma das grandes heranças recebidas pela humanidade no campo filosófico, e agradecer ao autor ou autores esse lindo discurso sobre a vida como ela é, e como poderia ser. Discorrem também os versos sobre as relações de poder entre os homens, as obrigações dos poderosos em relação aos seus comandados e proporciona um guia para o desenvolvimento do auto conhecimento e da meditação transcendental, como uma fruta sumarenta, que deve ser saboreada aos poucos, em camadas que se sucedem ao infinito sem nunca esgotar seu sabor. É um libelo contra a guerra, talvez um dos primeiros textos pacifistas conhecidos pela humanidade, surgido muito antes do nascimento do Gautama Buda ou do Cristo, a contramão, contra corrente de sua época, em meio a um mundo violento que se transformava aos olhos do autor. Apesar das discussões sobre suas origens não podemos deixar de ficar maravilhados pela beleza das imagens que seus versos inspiram e das suas revelações cosmogônicas, imagens maravilhosas sobre a origem da Criação, que puderam ser apreciadas pelos físicos contemporâneos como uma aproximação empírica exata da origem do Universo segundo as pesquisas cientificas mais recentes.

Segundo o mito estabelecido para a criação da obra, seu autor foi arquivista por algum tempo na corte dos Tcheu, mas ao perceber a decadência da casa real, a adoção de costumes que não aceitava, já em idade avançada, renunciou ao cargo e dirigiu-se para o Oeste, região inóspita onde pretendia passar seus últimos dias dedicando-se a uma vida simples junto aos camponeses que tanto admirava. Quando estava fazendo a travessia do passo do Hien-Ku, a pedido do guarda fronteiriço, redigiu uma síntese, em duas partes, na qual expunha sua sabedoria e conhecimento sobre o Tao (o Caminho) e o Te (a Virtude) e depois seguiu sua jornada para nunca mais ser visto.

De seu contato com Confucio se conta: Um dia ele foi pedir informações sobre os ritos a Lao Tan (Lao Tzu) e esse lhe aconselhou: "Elimina teu humor arrogante e todos esses desejos, esse aspecto presunçoso e esse zelo excessivo: tudo isso não trás qualquer vantagem para tua pessoa. Isso é tudo o que posso lhe dizer". Confucio retirou-se consternado. Confessou aos discípulos: "conheço todos os animais - aves, peixes, quadrupedes - e lhes percebo o comportamento, mas quanto ao dragão, não o posso conhecer; ele sobe ao Céu, acima da nuvem e do vento. Estive hoje com Lao Tzu; ele é como um dragão!"

Lao Tzu era um sábio escondido. Sua filosofia era oposta ao sentido organizador e administrativo do confucionismo. Ele pregava que o homem deve viver no anonimato, conforme expressa sua doutrina. Viver distante da vida pública e desprezar honrarias, que era justamente o contrário do ideal do "homem superior" proposto por Confucio. A existência "escondida e anonima" de Lao Tzu talvez explique a ausência de qualquer informação histórica relativa a sua biografia. Praticando a filosofia do Wu-wei (Não-ação) de cunho eminentemente taoista ele empreendeu sua jornada milenar para o desconhecido, sobre o simbólico bufalo domado, em direção à sua justa imortalidade, prêmio assegurado para àqueles que desvendam o Caminho do Tao.



"O Sábio não é erudito. 
O erudito quase sempre não é sábio".
(Lao Tzu)


Livro I - Os princípios do Tao.

I
O TAO


O Tao que pode ser comentado
nunca é o Tao Absoluto,
nem este é o Perfeito Caminho.

Os nomes que podem lhe ser dados
nunca são os verdadeiros,
nem este é o Eterno Nome.

O Ignoto Vazio é o Princípio,
fonte do Céu e da Terra.
A Mãe de todas as coisas é o ser,
com suas designações e nomes. 

Por causa disto:
Há quem se dilacere constantemente de paixão
tentando surpreender o Segredo da Vida,
  e há quem constantemente encare a Vida com ânsia
tentando provar todos os seus frutos palpáveis.
 Porém o Segredo e suas manifestações são uma só coisa
a qual deram os mais diversos nomes
conforme cada qual foi sucedendo.

      O Cósmico Mistério, a Unidade, o Mistério dos Mistérios
   foi o que denominamos Tao.
            É de onde proveem a quintessência da existência completa do  ser.
        É o Portal que conduz ao sutil da esotérica verdade da  Vida.



Comentário:


Na antiga China Tao significava Caminho Perfeito. Utilizado por várias escolas filosóficas chinesas, termo altamente subjetivo, se aproximava do sentido de Verdade, tal como é encontrado nas escrituras filosóficas do Ocidente. Para Confúncio seguir o Caminho significava para o cavaleiro e o homem sábio manter sua conduta dentro da moralidade e buscar a benevolência como objetivo de vida. Lao Tzu via no termo um sentido místico, transcendental, uma busca espiritual interior a partir da contemplação da Unidade.


Para Plotino, filósofo grego que viveu no séc III d. C. em Alexandria, através da sua percepção intuitiva sobre a estrutura da dimensão relativa do Universo denominava também a Realidade Suprema de o Um. Para Plotino, o Um não é uma abstração matemática, e nem um Absoluto vazio ou estático. O Um é o Poder, extremamente simples, mas repleto de potencialidade, que gera a Existência em vários planos do Existir – não física ou psiquicamente, porém mais como um princípio matemático que gera uma série de números. Ao contrário de uma fórmula matemática, contudo, o Um é um princípio vivo e a série infinita de seres que Ele origina são radiantemente vivos. Nem tampouco é a Existência unidimensional, como uma série matemática, e sim uma emanação simultânea de seres em vários planos distintos da existência, cada um expressando um tom metafísico diferente, mas com origem comum na força única do Um. Plotino se refere ao Um como Amor, embora não possua individualidade. O Um não é o Deus pessoal, a quem o filósofo descreve reverentemente como a Alma Cósmica, também esta uma emanação do Um num nível mais primordial de Existência do que nosso universo conhecido que denominamos realidade imediata. O Um neste sentido é totalmente primário, até mais do que a própria Existência, razão pela qual não podemos fazer qualquer afirmação literal sobre Ele. Segundo o filósofo: “toda investigação diz respeito ao que uma coisa essencialmente é, ou à sua qualidade, ou à sua causa, ou ao fato de sua existência, mas nada disso se aplica ao Um”. Essa visão filosófica e metafísica talvez influenciada pelos sábios que chegavam à Alexandria vindos do Ocidente aproxima-se da ideia do que seja o Tao.  

Da mesma forma Richard Wilhelm, um dos primeiros tradutores do Tao Te King, em seus comentários sobre esta secção afirma que, o “Mistério dos Mistérios” significa a tendência do Não-ser em criar o Ser, do Kaos, na concepção literal filosófica, em criar as dez mil coisas do Universo, e em nosso planeta evoluir de substância bruta para a senciência, era este o conceito autotranscendente de Tao ao qual Lao Tzu se refere na sua obra. O filósofo chinês ultrapassa o sentido literal de “nome”, pois Tao era compreendido, até então, como conjunto de instruções, transmitidos pela tradição dos antigos monarcas, destinadas à orientação do povo, criando assim um novo conceito atemporal para a palavra que não se aplica a nada que exista empiricamente.


Assim o pensamento intelectualizado sempre pretende surpreender o sentido da existência do homem e sua relação com o Universo. Enquanto despendemos nossas energias nesta busca infrutífera, a vida passa inexorável ante nossos olhos. Quando pretendemos ter alguma idéia definitiva sobre Deus, o sentido da Vida, a espiritualidade, algo sempre escapa ao nosso conhecimento. O verdadeiro mistério é o fio da existência, essência do “ser”, que de forma ilusória acreditamos ser parte do individuo quando na verdade o sentido de “ser” é parte integral da Criação, que os chineses taoístas com sabedoria denominaram Tao.

O homem só consegue perceber o Tao, quando sua mente calculadora e superficial cheia de desejos e cobiça fica em segundo plano, seu instinto de sobrevivência sucumbe, em harmonia com a Fonte, a Criação do Céu e daTerra.

O Tao é simples, está sempre junto a nós, manifesta-se no e por meio do estado de pureza do coração, de simplicidade de espírito, fator que todos temos potencial para alcançar, mas preferimos estar hipnotizados com nossos compromissos, imersos na ilusão das dez mil coisas e suas manifestações, isolamo-nos em rituais de vida para não permitir que nossa verdadeira natureza e nossa origem espiritual tenham existência, criamos dogmas definitivos, estratificamos conceitos, mantemos temores no intuito de ficarmos isolados de Tao, em busca de falsa segurança como  se isto fosse possível.

Assim também está escrito no livro do mestre Huai Nan Tzu:  “O Tao da providência atua misteriosa e secretamente; não possui forma definida; não segue regras definitivas; é tão amplo que não se pode alcançar seu término; tão profundo que não se pode sondá-lo.” 


II
A ORIGEM DA HARMONIA DOS OPOSTOS

Os povos da Terra reconhecem a beleza como bela
desta forma sabem o que é feio.
Todos reconhecem o bem como sendo bom
desta forma sabem o que é mal

Por causa disto, o ser e o não-ser interdependem -mutuamente.
no seu desenvolvimento.
O fácil e o difícil assim se complementam
em sua estrutura.
O longo e o curto se definem
no seu contraste.
O alto e o baixo convivem
na sua posição.
O som e o silêncio se alternam
na formação da harmonia.
O antes e o depois se seguem
um ao outro.

Assim também o Sábio executa suas tarefas sem agir,
prega a doutrina sem palavras,
ensina sem nada dizer.
A todos os que o procuram ele não lhes nega auxílio.
Ele produz e revifica sem apropriar-se de coisa alguma
e atinge seus fins sem pedir gratidão.
Justamente porque não se apega
seu mérito jamais o abandona.

Comentário:

Nesta secção Lao Tzu afirma que: no mundo dos fenômenos todos os opostos se condicionam reciprocamente, a existência de um aspecto implica forçosamente a existência de seu oposto. É interessante ressaltar a idéia do autor de que o “bem” é a “síntese da beleza” e não algo qualitativamente diferente. Segundo seus tradutores: “bom” pode ser traduzido, quase sempre, como “competente”. Nada mais é que o ideal da verdade e da beleza transposto para a ação, ponto onde o velho pensador chinês se alia aos mais contemporâneos métodos de tratar “idéias mais elevadas”.

É a partir do Grande Uno que surgem todas as formas e aparências. O poder discricionário do observador, mergulhado na ilusão de Maia, observa cada fenômeno como se tivessem causas distintas, mas são tudo e todos originados do Um. O verdadeiro Homem Sábio ao perceber o mundo ilusório, busca na doutrina da não ação impor a sabedoria última do “ser”. Busca no exemplo do Tao seu relacionamento com a comunidade ao seu redor. Suas ações puras projetam uma sombra que serve de exemplo aos demais, inspirando outras pessoas a seguir o Caminho Perfeito. O Um criou Maia, a ilusão das dez mil coisas, para potencializar suas manifestações numa cadeia evolutiva, já que o limiar diferencial é necessário para se estabelecer escalas evolucionárias de um determinado processo, e dinamizar sua estrutura.

III
A NÃO-AÇÃO

Quando não cultivamos a adoração de personalidades
evitamos a rivalidade e os motins.
Quando não louvamos objetos preciosos
evitamos que sejam roubados.
Quando ficamos sem a ilusão dos desejos
o coração não se perturba.

Por tudo isso, o Sábio, para governar,
esvazia a mente do povo e enche seu estômago.
Desencoraja ambições mas revigora disposições.
Assim o povo é purificado de seus desejos,
e os doutos, astuciosos, não terão coragem de interferir.
Ele pratica a não-ação e todos podem viver em paz.

Comentário:

O coração é a sede do desejo de coisas exteriores, nossas emoções e desejos influem diretamente em seu ritmo vital. Para os chineses, na relação com os cinco sentidos, este órgão é posto no lugar do “tato”, da “sensação”. Quando o coração permanece vazio o homem não está preso ao exterior pelos laços do desejo.

Os governantes da atualidade deveriam observar estas máximas com atenção. Quando tanta informação sobre riqueza e luxúria é divulgada pelos meios de comunicação, e por razões óbvias não se pode proporcionar a todos a satisfação dos seus desejos permitimos que os mais prejudicados sejam influenciados por pessoas ardilosas no sentido de destruir as estruturas, desagregar a família, aumentar a violência e as atividades criminosas.

Nos tempos em que vivemos, também a doutrina da bondade tem iludido as massas, e com ela homens astuciosos, em nome de falsas liberdades, buscam seu poder pessoal mantendo as massas alienadas e à margem do processo de criação da riqueza e do trabalho. Ao invés da plena ocupação; criam sistemas assistencialistas e incentivam o consumo desenfreado que esgota as reservas naturais do planeta, quando na verdade deveriam criar projetos comuns para permitir à humanidade o direito ao trabalho e a construção de um mundo melhor.

É puro Maquiavel mas também fala do interior dos seres humanos. Numa linguagem oculta, define o próprio contraditório de cada ser, suas discussões interiores, a necessidade de individuação da mente, a volta ao Grande Uno. Isto quer dizer, a negação do ego através do refreamento dos desejos, tão ao gosto do Taoísmo milenar Chinês.

IV
O Caráter do Tao.

O Tao flui inexaurível, sem cessar
profundamente, penetrante, como um cristal,
imensurável, como um abismo infinito.
Assim a Fonte Ancestral, Mãe de todas as coisas
abranda a dureza de suas arestas,
seus liames desata,
seu brilho difunde,
o tumulto sufoca.
Imóvel parece como o claro cristal
da água profunda.

De quem é filho não sei bem,
mas aparenta ser um Ente
anterior a Deus.

Comentário:

O Tao transcende no sentido filosófico a qualquer divindade personificada ou não criada pela humanidade. No texto original é referido o Tao como anterior ao Soberano do Céu, imagem que pode ser associada a Deus. Razão pela qual Lao Tzu se refere ao algo anterior ao Soberano do Céu no sentido de evento acontecido, isto é, diferente do imaginário ocidental formulado no Gênesis sobre Deus como Ente Absoluto, criador do universo. Na idéia relacional de Lao Tzu Deus é o Ente Relativo e o Tao é o Ente Absoluto.

A água é elemento constante em suas comparações. A imagem de pureza, como cristal, define a energia sutil de Tao que tudo penetra, como afirma a secção, assim como o líquido imóvel, a água límpida permite observar sua profundidade.

  V
A Natureza.

Cruel é a Natureza
Céu e Terra não são bondosos
tratam os homens como cães de palha
condenados ao sacrifício.

Cruel também é o legislador
trata o povo como cães de palha condenados.

O espaço entre o Céu e a Terra
vazio como um fole, uma flauta,
tudo alenta e nunca esmorece,
revifica a chama,
produz mais sons
o interior da cana.

Muitas palavras exaurem o espírito
(quando sentados em silêncio)
protegemos nosso interior no vazio
mantemos livre nosso coração.

Comentário:

Richard Wilhelm nos seus comentários sobre esta secção explica que para os sacrifícios eram confeccionados ornamentos ricamente elaborados na forma de cães de palha, mas depois das cerimônias, após terem cumprido sua finalidade eram atirados fora, sem dó.

Os conceitos de bondade e moralidade são aqui rejeitados como falsa moral por Lao Tzu, em clara oposição ao pensamento confunciano, método que estava em voga na época criado para a classe dominante governar seus súditos na China servil. No ocidente católico, adotada amplamente por alguns estados, como prática assistencialista leva comumente o individuo comum à degradação moral e a mendicância. Diferente da visão judaico-cristã comum ao homem ocidental, no taoísmo o indivíduo deve atuar da melhor maneira possível, mas sem a preocupação de perder sua alma pelos seus atos pecaminosos, inexiste aqui a idéia de redenção ou pecado original, mas sim a eterna mudança das energias opostas num movimento universal contínuo do qual o homem em particular faz parte e sua busca no retorno à Fonte.

Alguns tradutores utilizam o fole como exemplo e outros a flauta. Preferimos utilizar os dois sentidos visando evidenciar e reforçar a idéia poética do vazio, do alento, do pneuma que insufla a vida, da respiração do Tao. Assim, o Céu e a Terra do macrocosmo e a cabeça e o tronco do microcosmo são comparados aos cabos de um fole que criam o ritmo constante de entrar e sair e são o símbolo da alternância dinâmica e harmoniosa do Yin e do Yang no Tao. Desta forma, a inspiração e a expiração são simbolizadas sendo a vivência pura e simples do Tao na meditação, a penetração do Yin e do Yang no micro/macrocosmo, a que Lao Tzu denominou de “vazio”. 

Conforme Fritjof Capra em sua obra “o Tao da Física”, na filosofia taoísta chinesa, a idéia de campo unificado está implícita no conceito de Tao como algo vazio e sem forma, e contudo gerador de todas as formas, mas é também explícita, no conceito de ch’i, termo que desempenhou um importante papel nas escolas chinesas de filosofia natural. Este conceito significa literalmente, “gás” ou “éter” e é utilizada para denotar o sopro vital ou a energia que anima o Kosmos. No corpo humano, os meridianos, ou “caminhos do ch’i” constituem a base da medicina tradicional chinesa. O objetivo da acupuntura é estimular o fluxo de ch’i através destes canais. A preocupação com a manutenção deste fluxo está presente em todas as manifestações esotéricas, danças, lutas marciais e na arquitetura chinesa. A notável semelhança com os conceitos de campo quantizado na Física moderna é conceituada pelos mestres como uma forma tênue e não perceptível de matéria sutil presente em todo o universo que possui a tendência de condensar-se em matéria densa. Assim nas palavras de Chuang Tsai: “Quando o ch’i se condensa, sua visibilidade torna-se evidente de modo que existem, então, as formas (das coisas individuais). Quando se dispersa, sua visibilidade não é mais evidente e não há mais formas”. Assim o ch’i se condensa e se dispersa ritmicamente, gerando todas as formas que eventualmente se dissolvem no Vácuo, concluí Fritjof Capra na sua comparação com o estudo da Física Quântica.

Na parte final da secção, a idéia de sentar em silêncio fica subentendida, e no sentido oculto do texto, sua idéia central, buscar no vazio da mente a prática correta para aprimorar o ser. Só através da meditação e da respiração correta atingimos as mudanças interiores necessárias para a verdadeira libertação da ilusão de Maia, a diferenciação das dez mil coisas. Quando descobrimos nossa verdadeira natureza nada pode prejudicar nosso corpo ou nossa mente.

Nesta secção encontramos Céu e Terra no seu sentido esotérico mais amplo, de Yang-Yin, não só como universo dos fenômenos, mas integrando o sutil e o denso do Kosmos com suas implicações e particularidades dinâmicas


VI 
A Alma do Vale

A Esposa Mística é a origem
do Céu e da Terra
Ininterrupta, Perpétua
age sem esforço para criar a Vida
Invoca sempre seus poderes
Ela te beneficiará






Comentário:


Secção de profundo saber esotérico, muitos tradutores interpretaram de várias maneiras, cada qual buscando adequar melhor o texto às suas crenças pessoais ou preconceitos. Budistas, cristãos, cabalistas hebreus, e até mesmos os chineses, durante milênios tentaram ofuscar a importância do poder feminino. Com seus deuses masculinos pretendiam ampliar o poder dos machos ao plano espiritual ignorando os ancestrais conhecimentos sobre a poderosa presença da Grande Mãe e seus Mistérios. A supremacia masculina, que nos último cinqüenta anos vêm sendo abalada, sempre colocou a mulher em segundo plano, sendo que na religião católica o casal divino foi substituído pelo espírito santo. Mas não conseguiram estas religiões abafar as necessidades dos crentes e não puderam suprimir de todo as velhas tradições xamanicas do culto à Mãe Terra no seu sentido popular, hoje personificada no culto da mãe do Cristo. Foi a antiga crença na deusa Ísis difundida por todo o mundo antigo sincretizada pela Igreja Católica Romana e apesar de tudo incorporada com fé por todos os povos que a igreja conquistou.

É no vale onde a terra é fértil, de onde provêem as dez mil coisas, antiga crença xamanica do meio rural chinês que cultuava sua deusa ancestral, similar a Ceres, a deusa agrícola grega, ou ainda a deusa Cibele, a “Mantenedora da Vida”. O “Portal da Mulher Misteriosa” é o vaso sagrado primordial, o ventre cósmico, o vir-a-ser, o espírito da Criação, elemento ativo onde a matéria não plasmada penetra através do véu misterioso da existência que esconde a verdadeira natureza de Tao.    
  

VII
Viver para os outros

O Tao é eterno.
Eterno é o Céu.
Ancestral é a Terra.
Por não viverem só para si
podem eles ser assim imperecíveis.

Por causa disso o Sábio sempre se coloca em último lugar
apesar de ser sempre o primeiro.
Ele encara o próprio “ser” como acidente
e assim preserva a própria essência
que se torna assim imperecível.
É que ele também não vive só para si.
Não será por isso que o Sábio chega a perfeição?

Comentário:

Originado da Emanação, o Universo é a fonte onde as dez mil coisas se servem. O Tao tudo provê sem nada pedir em troca. Conforme Lao Tzu o Sábio deve comportar-se da mesma forma. Só abandonando o egoísmo mundano e o apego natural das pessoas comuns, o homem pode evoluir até uma maior perfeição espiritual. Nos tempos em que vivemos, cada vez mais é difícil exercitar o desapego. Teorias sobre “ lei da atração” e “pensamento positivo” iludem os pobres de espírito que acreditam no “ter” como forma de encontrar a paz interior. A verdadeira prosperidade é interior, está associada ao “ser”, a capacidade do indivíduo perceber a dádiva da vida. Ao atingir o equilíbrio interior e viver a harmonia do “ser” o homem nada mais anseia e todas as coisas verdadeiramente importantes possuí. Esta é a Suprema Abundância

VIII
A Água

A Suprema Virtude é como a água
que beneficia todas as coisas sem competir.
Normalmente ocupa os lugares mais baixos da terra
locais que a maioria dos homens desprezam.
É lá, com certeza, onde mais próxima fica de Tao.

Para sua morada o homem Sábio também escolhe a profundeza.
Sua mente ama tudo o que é profundo
Nas relações ama a boa fé e a bondade
Nas palavras ama a sinceridade.
No seu mandato ama a paz e a ordem
Nos negócios ama a habilidade
Nas suas atividades escolhe a mais reta diretriz.
 E como ele não entra em atrito com ninguém
 está sempre livre das críticas.




Comentário:



 O elemento água é uma constante no discurso de Lao Tzu. Símbolo universal da emoção e do inconsciente, este elemento flui através de todas as frestas, infiltra-se nos subterrâneos, cativo das forças gravitacionais do planeta. Na cosmogonia egípcia, na Gênese hebraica e entre os indus e chineses é a essência do poder passivo ou feminino, a humidade é o mais fecundo dos elementos, base da Criação. Associada pelos chineses a Yin, o receptivo, foi neste meio que a vida surgiu no planeta terra. A água (shui) une-se ao fogo (yang) para fazer nascer os cinco elementos que engendram as dez mil coisas, isto é, a totalidade. Para os egípcios, símbolo da pureza, designava o nascimento dos puros ou dos iniciados. A água representa então a purificação do caráter. Sua principal virtude, a fluidez, impede e dificulta sua contenção, estado onde seu poder aumenta. Assim deve ser o homem Sábio, evitando obstáculos como a corrente do riacho, ultrapassa os seixos e rochas que impedem seu caminho em direção ao oceano profundo. Sua flexibilidade perante o caminho coloca o homem Sábio acima das críticas que não podem mais lhe ferir. Segundo o mestre Chuang Tzu: “A fluidez da água não resulta de qualquer esforço por parte da mesma, mas é sua propriedade natural. E a virtude do homem perfeito é tal que, mesmo sem cultura, não existe nada capaz de retirá-lo de seu domínio”.



O mestre conta também a história de um velho que caiu numa catarata e emergiu são e salvo rio abaixo. Pediram-lhe uma explicação, e o velho disse o seguinte:

“Não...não tenho meios de explicar isso. Primeiro, existia o meu estado original; depois o hábito transformado em natureza; e por fim a aquiescência ao destino. Mergulhei no vórtice e saí no torvelinho. Acomodei-me a água, e não esta a mim. Assim, de certo modo, consegui lidar com ela... Nasci em terra seca...e acomodei-me a ela. Esta era minha condição original. Crescendo na água acomodei-me a ela. Foi o que eu quis dizer com natureza. E agindo como agi, sem consciência de ter despendido qualquer esforço, foi o que quis dizer com destino”.


IX
O Perigo de ser arrogante.

É melhor não encher totalmente um vaso
ou ter que transportá-lo se estiver cheio
É melhor não temperar em demasia
a lamina de uma espada
pois assim perderá seu gume.
Quando ouro e jade encherem teu vestíbulo
nunca mais se sentirá seguro.
Quando se preocupar com honrarias e riquezas
estará assim semeando temeridades.
Realizada a tua obra retira-te.
Esse é o Caminho do Céu (o Tao).

Comentário:

Se um arqueiro atira a flecha no vazio em que ele vai acertar? Quando colocamos a manutenção de nosso “ego” como prioridade fazemos da satisfação de nossos desejos e do apego aos nossos hábitos a mola mestra que impulsiona nossa vida. Quando em busca de fortuna e sucesso ficamos a mercê das eventualidades e prisioneiros de nossos objetivos. Quanto mais alto chegamos, mais tememos perder o que já alcançamos. Não existem limites em tal situação. A felicidade e a paz que este “ego” ambiciona para viver no paraíso ideal da satisfação dos desejos simplesmente não existe. A honrarias também insuflam o “ego” e na antiga China como ainda hoje, aqueles que recebem honrarias dos poderosos em demasia podem cair em desgraça com muita rapidez pela ação dos invejosos.

X
Viver em Tao.

Serás capaz de educar tua mente sem se dispersar?
Serás capaz de controlar tua força vital para respirar
como uma criança recém nascida?
Serás capaz de clarear tua visão interior
até torná-la imaculada?
Serás capaz de amar um povo e governar um reino
sem interferir?
Quando abrirem e fecharem os portões do Céu
serás capaz, ao compreender a sabedoria
renunciar ao intelecto?

Dar nascimento e nutrir.
Fazer vir à luz sem se apossar.
Agir sem guardar para si.
Comandar sem exercer autoridade.
Aumentar sem dominar.
Eis a chamada “Qualidade Misteriosa”.

Comentário:

Outra secção de profundo cunho esotérico, onde Lao Tzu expressa o poder misterioso de criar do atributo feminino, da intuição, da inteligência emocional superando a lógica fria do raciocínio. Uma visão transcendental da existência como fonte ininterrupta do Vir-a-ser, tão ao gosto do pensamento taoísta. Certamente dirigido ao buscador do Tao, esta secção trata na forma poética a prática respiratória diafragmática, comum ao bebê quando está no ventre da mãe. Esta prática promove a circulação do Ch’i, nossa força vital, pelos meridianos existentes no organismo, melhorando nossa saúde física e mental e aumentando nossa longevidade. Esta é uma das fundamentais heranças da filosofia taoísta, o desenvolvimento das práticas de meditação que influenciaram várias outras correntes filosóficas, como por exemplo o Zen.
A “Qualidade Misteriosa” é uma referência à maternidade feminina. O Tao se assemelha ao vaso de onde provem a vida, mas como a mãe ele não se apossa da criação.

Esta secção descreve a prática da iniciação no Yoga contemplativo para o buscador do Tao atingir o esclarecimento de sua verdadeira natureza, e promover ao iluminado a senda para o retorno à Fonte. A criança quando inatura respira através do cordão umbilical localizado no diafragma de onde recebe o Ch’i propiciado pela mãe junto com o oxigênio vital. Da mesma forma o buscador do Tao para perseguir o entendimento e encontrar sua verdadeira natureza deve realizar uma respiração diafragmática em oposição à respiração torácica mais comum.
    

XI
A Virtude do Vazio.

Trinta raios convergem para o eixo
formando a roda.
Mas é o vazio que permite sua utilidade
no carro.
Modela na argila um vaso.
É na sua concavidade
onde repousa o conteúdo.
Na casa portas e janelas são construídas.
É através dos espaços vazios
onde reside sua valia.

Assim o ser produz a utilidade
Mas é o não-ser que o torna eficiente.

Comentário:

Esta secção influenciou as técnicas meditativas do Zen e garantiu aos taoístas e budistas uma vanguarda sobre conceitos que só agora a física quântica procura explicar. É do não-ser que emanam as dez mil coisas do Universo, o plano material, a ilusão de Maia, projeção do Tao. Das trevas surge a luz que projeta os bonecos de sombra que somos nós e nosso Universo de imaginação da divindade.

Na sua obra “O Tao da Física”, Fritjof Capra comenta: “Na visão oriental, a realidade subjacente a todos os fenômenos está além de todas as formas e desafia qualquer descrição e especificação. Por isso freqüentemente se diz que ela é sem forma, vazio ou vácuo. Mas essa vacuidade não deve ser encarada como o simples nada. Ao contrário, ela é a essência de todas as formas e a fonte de toda a vida”.

Mais adiante observa: “Os budistas expressam a mesma idéia ao afirmarem que a realidade última – Sunyata (“Vazio” ou “Vácuo”) – é um Vazio vivo que gera todas as formas do mundo dos fenômenos. Os taoístas conferem semelhante criatividade, infinita e eterna ao Tao e, uma vez mais, chamam-na de Vazio. “O Tao do Céu é vazio e sem forma”, afirma o Kuan Tzu. Lao Tzu utiliza várias metáforas para ilustrar esse vazio, comparando o Tao a um vale vazio ou a um vaso perenemente vazio e que possui um potencial criativo infinito”.
E conclui: “Assim, o Vácuo dos místicos orientais pode ser facilmente comparado ao campo quântico da Física subatômica. À semelhança deste, aquele origina uma variedade infinita de formas que mantém e, eventualmente, reabsorve”.

Alan Watts em seu trabalho “Tao – o curso do rio” recorda as palavras do patriarca Ch’an (Zen) Hui-neng, que escreveu onze séculos depois de Lao Tzu:
“A capacidade da mente é ampla e extraordinária, como o grande céu. Não adianta sentar-se e fixar a mente no vazio. Assim você cairá numa forma neutra de vazio. O vazio inclui o sol, a lua, as estrelas e os planetas, toda terra, as montanhas e os rios, todas as árvores e pastagens, homens maus e bons, coisas boas e más, céu e inferno; todos estão em meio ao vazio. O vazio da natureza humana também é assim”.

           XII
Os cinco sentidos.

As cinco côres cegam os olhos dos homens.
As cinco notas musicais ensurdecem seus ouvidos.
Os cinco sabores entorpecem seu paladar.

Corridas de cavalos, caçadas e conquistas femininas
enlouquecem os homens e desencadeiam paixões
furiosas e selvagens.
Bens raros e inestimáveis mantém seus donos
despertos de noite.

Assim sendo o homem Sábio ocupa-se do seu interior
não da ilusão dos sentidos.
Ele rejeita a superfície e mergulha no profundo.

Comentário:

As cinco cores são: o azul (ou o verde), o vermelho, o amarelo, o branco e o preto. Os cinco sons são: dó, ré, mi, sol, lá, a escala musical utilizada pelos chineses. Os cinco sabores são o amargo, o salgado, o doce, o azedo e o picante. A secção reafirma na primeira parte a necessidade do buscador do Tao em evitar a dispersão da mente motivada pelo mundo dos sentidos. Na sua totalidade ressalta uma questão de fundamental importância tanto no oriente quanto no ocidente nos dias atuais. O excesso de estímulos visuais e sonoros das grandes metrópoles, onde a maioria da população humana hoje se acotovela, a internet, a radiodifusão, a televisão que promovem a hipnose das massas, faz com que o individuo comum que teme encontrar-se consigo mesmo no silêncio e reflexão do seu “ser” interior permaneça sedado para a vida, e como conseqüência restringe sua humanidade. O individuo fica escravo de suas sensações, na busca desenfreada de bens e na manutenção de suas aquisições materiais sem contato real com sua verdadeira natureza.

XIII
Censura e Louvor.

Honrarias e censuras só servem para espalhar terror.
Tudo o que valorizamos ou tememos está dentro de nós.
Podem assim honrarias e censuras espalhar o terror?

É que os escolhidos pelos favores do alto
perturbam-se quando os recebem,
e perturbam-se mais ainda quando os perdem.

Eis o significado disto:
Pois tudo o que mais valorizamos ou tememos
está dentro de nós.
É por que tenho uma personalidade
que fico à mercê dos males.
Se eu não tivesse alguma personalidade
que mal poderia sofrer?

Portanto quem valoriza o mundo
como valoriza sua verdadeira natureza
é digno de o governar.
Quem ama o mundo como a si mesmo
é quem compete zelar por ele.

Comentário:

Esta secção relaciona a ética de Lao Tzu, e sua visão de conduta, superior ao confuncionismo que propunha o intervencionismo e o carreirismo na organização e condução da sociedade. Assemelha sua idéia ao pensamento de quanto maior a árvore pior o tombo. “Podem honrarias e censuras espalhar o terror”? Pergunta o autor sobre este aparente paradoxo. É ele mesmo que responde: “Tudo o que mais tememos está dentro de nós”...

Na terceira parte ensina o mestre sobre a ilusão do “ego”. Tudo aquilo que acreditamos erroneamente ser e representar como pessoa, ser humano, indíviduo, nossa “persona” perante às outras pessoas; nossos diplomas, títulos, cargos, riquezas e poderes que acreditamos ser parte de nós na verdade são as correntes que prendemos a nós mesmos para ancorar nossa vida e evitar a desilusão de nossa própria vida mortal. Quando despojados de todas estas coisas voltamos a usufruir da verdadeira liberdade interior.

Na última parte concluí que aquele que percebe fazer parte da totalidade é um monarca no sentido mais concreto. É ele que deve reger os desígnios do mundo, e algumas vezes é assim que a história comprova na biografia dos profetas.

XIV
A Manifestação do Tao.

O que vê, mas não pode ser visto
chamamos invisível.
Seu verdadeiro nome é “semente”.
O que escuta, mas não pode ser ouvido
chamamos inaudível.
Seu verdadeiro nome é “sutil”.
O que toca mas nunca foi tocado
chamamos intangível.
Seu verdadeiro nome é “diminuto”.

Trindade esta incognoscível
que compõem o Grande Uno.

Não é por sua ascensão que existe a luz,
nem por sua profundidade que existe a escuridão.
Energias incessantes e contínuas
nenhuma pode ser definida
e acabam sempre revertendo ao Vazio.

A isso dá-se o nome de forma sem forma,
imagem do nada.
É também denominada inevitável, indeterminada,
Caos misterioso.

Indo ao seu encontro não lhe vemos o rosto,
seguindo-o não lhe vemos as costas.

Quando para dirigir os assuntos do presente imediato
entendemos as palavras dos antigos Sábios do passado
 e trilhamos o Caminho Perfeito
podemos então compreender o sentido da vida
o fio condutor do Tao

Comentário:

A Ciência da Cosmologia ou o estudo da Física subatômica ainda carece de terminologias apropriadas para explicar todos os fenômenos intrínsecos na formação do Universo, sobre as razões de sua origem e finalidade. Através da pura intuição, utilizando o método empírico formado pela acumulação da sabedoria dos antigos e pela observação dos fenômenos da natureza Lao Tzu desvendou muitos segredos, mistérios que os cientistas contemporâneos estão ainda tentando conceituar de forma adequadamente científica. Os termos “semente”, “sutil” e “diminuto” poderiam servir para designar as propriedades físicas das subpartículas, recém descobertas pelos físicos contemporâneos, que compõem a matéria existente em todo o Universo. Os fótons, quarks, e neutrinos que compõem a matéria, podem ser classificados como partículas ou ondas conforme o observador. Sem instrumentos adequados ou abstrações matemáticas, estes fenômenos são para nós intangíveis, invisíveis e inaudíveis. São estas as virtudes ou atributos que servem para classificar tais energias através de nossa mente discricionária. A força da gravidade é um exemplo clássico, fenômeno que na prática conhecemos, mas não podemos mensurar ou quantificar com nenhum instrumento sem a ajuda de cientistas de maneira conceitual ou intelectual. Entretanto sem esta força poderosa não existiria aquilo que denominamos a realidade de nosso Universo. Sem a força gravitacional de distantes estrelas não existiria a força da inércia, nosso planeta e toda a vida nele existente seria inviável. Essa é a concepção dos antigos mestres chineses, o Universo é composto de um todo perfeitamente contínuo, os objetos aparentemente individuais agem e reagem com todos os demais no mundo físico, vibrando em ondas, dependente, por atribuição, da alternância rítmica em todos os níveis das duas forças fundamentais, o Yin e o Yang. Dessa maneira cada objeto possui sua ressonância intrínseca, integrados que estão no padrão geral de harmonia do Universo.

Os Sábios do passado.

Os Sábios do passado estavam sempre em comunhão
com as forças invisíveis do Tao.
Eram tão profundos e misteriosos
que não podiam ser entendidos.
Não podendo ser entendidos hoje é difícil descrevê-los.
Eram cautelosos, atentos
como se cruzassem um rio tormentoso
no degelo de inverno.
Hesitantes como andando na neblina
Eram prudentes, tímidos
como se temessem os vizinhos.
Discretos, como hóspedes
de alguém muito cerimonioso.
Eram evanescentes
como o gelo a derreter.
Simples, como a madeira antes de ser esculpida.
Eram claros, amplos e livres como um vale,
uma várzea aberta.
Eram turvos como água enlameada,
impenetrável ao olhar.

Quem pode iluminar as trevas neste lamacento mundo?
Permanecendo imóvel é que ele se purifica.
Quem pode manter a serenidade por muito tempo?
Aquele que segue o Caminho Perfeito
não deseja a abundância,
nem deseja estar cheio de coisa alguma.
Ao cultivar em si a humildade, evita modismos
e atinge a realização do “ser”.


Comentário:

Os chineses atribuíam ao passado uma época de ouro e creditavam aos Sábios do passado a criação das bases filosóficas do taoísmo. Na primeira parte da secção observamos a perplexidade dos homens simples e iletrados ao tomar contato com tais homens de sabedoria, andarilhos que eram mestres, médicos e praticavam técnicas de meditação. Na segunda parte utilizamos as imagens do “cruzar do rio” e “andar na neblina” adotadas em duas traduções aceitas para reforçar a idéia da cautela dos Sábios. Ao manter contato com as comunidades pelo caminho suas palavras aos camponeses eram prudentes e simples. Evitavam o misticismo, o taoísmo de então era baseado na observação da natureza e não uma religião de mistérios. Foi só com a introdução do budismo na China e da assimilação dos deuses xamanicos das comunidades, em épocas posteriores, que o taoísmo transformou-se numa religião.  




XVI
Retornar ao Vazio.

Quando sentados em repouso criamos o Vazio
a base da quietude.
Toda matéria tem movimento,
mas tem também repouso.
Assim a vegetação cresce luxuriante
mas retorna às raízes do chão onde brotou.
Retornar à raiz significa serenidade.
Ser sereno é como retornar ao próprio destino.
Voltar ao destino significa eternidade.
Conhecer a eternidade é o esclarecimento.
Não conhecer é expor-se ao fracasso dos maus resultados.
Quem conhece a eternidade é tolerante.
Sendo tolerante é imparcial.
Sendo imparcial é nobre.
Sendo nobre está de acordo com o mandato do Céu.
Estando de acordo com o Céu está de acordo com Tao.
Estando de acordo com o Tao é imperecível.
Durante toda existência será invulnerável,
não mais poderá ser ferido.

Comentário:

Na obra de Aldous Huxley “A Filosofia Perene” encontramos outra linda versão poética desta secção, que tomamos a liberdade de transcrever na íntegra o fragmento conforme a tradução da edição:

“Empurra para longe na direção do Vazio.
Apega-te com força à quietação.
E das dez mil coisas, nenhuma que não possa ser operada por ti.

Contemple-as, lá onde elas retrocedem
Vê, todas as coisas, como quer que floresçam,
voltam à raiz da qual saíram para crescer.
A esta volta à raiz chama-se quietação;
Chama-se quietação a submissão ao destino.
O que foi submetido ao destino torna-se parte do sempre-assim;
Conhecer o sempre-assim é ser iluminado.
Não o conhecer é caminhar às cegas para o desastre”.

Manter quieta a mente é o objetivo do buscador do Tao. Ao desenvolvermos nossa mente em direção ao Vazio, da forma correta, ficamos imunes aos distúrbios mentais originados pela vida atribulada, pelos problemas emocionais que adquirimos pelo excesso de estímulos externos, causa principal do stress no individuo no mundo contemporâneo. Esta secção promete ao homem íntegro, com a prática da meditação a solução de nossas questões cotidianas, a alteração do universo ao redor utilizando a magia da Criação. Com esta prática respiratória da quietação da mente, os antigos acreditavam que a ampliação da percepção, da mediunidade e da clarividência ocorria como um fator secundário do desenvolvimento mental em direção à iluminação. A razão principal da meditação é a busca de nossa verdadeira natureza, da nossa iluminação e não o desenvolvimento de poderes especiais. Por fim aquele que atinge seu objetivo na prática meditativa atinge a imortalidade verdadeira que é a ausência de ansiedade com o viver e o morrer, pois tudo é transformação, e assim o buscador do Tao se torna imperecível, pois sabe que sua essência primordial não pode ser ferida ou alcançada do exterior.

XVII

Os Governantes.

Do melhor governo o povo mal sabe de sua existência.
Ao que o suceder ama e elogia.
Ao que vier em seguida teme.
E ao que ainda sobreviver recrimina.

Quando os legisladores não regulamentam as doutrinas
alguns perdem a fé na lei
e acabam recorrendo a oráculos e videntes.

Porém o ideal, após os deveres cumpridos e as tarefas terminadas, o povo observar:
Fomos nós que realizamos tudo sozinho.

Comentário:

A não intervenção é o ideal máximo taoísta. Para Lao Tzu os governantes deveriam permitir o livre arbítrio dos povos governados. Assim o governante taoísta genuinamente não faz nada porque o Império funciona melhor quando deixado em paz. Os confuncionistas também acreditavam que o governante ideal é aquele que nada faz, porém sua influência moral que exerce funciona de modo imperceptível aos olhos do povo. Confúcio disse: “O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar”. Assim a idéia do wu-wei (não fazer) era estendida aos governantes como a prática ideal de administração que imitava o Tao. Nos dias atuais, com a criação do estado moderno a idéia do não intervencionismo parece estranha. Mas se lembrarmos dos governos nazi-fascistas e do stalinismo na história recente e dos crimes e genocídios cometidos em nome da ordem do estado podemos entender o ponto de vista dos mestres chineses que tinham grandes reservas em relação aos governantes que não respeitavam as tradições de seus súditos e seu livre arbítrio. No mundo contemporâneo com a aquisição de novas tecnologias de controle das massas, as liberdades individuais nunca estiveram tão ameaçadas. As grandes potências em seu delírio de dominação criam uma nova ordem mundial que ao pretender defender valores ocidentais e interesses econômicos age como policia e faz das liberdades civis, tão duramente alcançadas no séc. XX, uma relativização perigosa de sentido e com o apoio da mídia internacional e seu poder de influenciar as massas, novos termos são criados para justificar a ameaça à liberdade, como na sociedade do “Grande Irmão” de George Orwell e sua novilingua. Força de Paz, Trabalho Ilegal, Inclusão Social, Eleição Indireta, Combatente Estrangeiro, Globalização como formas de usurpação de direitos, Populismo, como termo pejorativo, para fazer o cidadão crer que existe outra razão que não a existência do povo para o estado existir, são alguns exemplos de expressões que foram criadas recentemente para justificar a intervenção do estado no cotidiano do cidadão e na manutenção dos privilégios de classes e etnias dominantes. São todos sofismas pois possuem um fundo falso no seu sentido criado propositalmente para proteger o interesse de alguns e amplamente difundidos pelos meios de comunicação para exercer na sua imposição aos dominados, como verdade absoluta, uma nova mentalidade obtusa. Goebells, responsável pela propaganda nazista, com certeza teria inveja destes intelectuais, ideólogos da comunicação e do marketing político dos quais foi com certeza o percursor.

Richard Wilhelm menciona em sua tradução, com referencia à segunda parte da secção, uma bela canção popular que era cantada na época do imperador Yao:

"O Sol se levanta e vou trabalhar;
O Sol se deita e vou dormir.
Cavo um poço e bebo;
Aro um campo e como.
O imperador - o que é que ele me dá?"
(Não é ao imperador que agradeço, mas ao meu próprio trabalho).

XVIII.
A Decadência do Tao.

Quando o Tao cai em decadência
as doutrinas da benevolência e da justiça ascendem.
Quando a sabedoria e a inteligência surgiram
uma grande hipocrisia seguiu-as em seu rastro.

Quando não prevalece a harmonia entre as seis relações
lá estavam (agradecei-lhes)
“os bondosos pais e os filhos dedicados”.

Quando o estado rola no caos e anarquia
é que houveram (agradecei-lhes)
“funcionários leais”.

Comentário:

O duque de Chou, quinhentos anos antes de Confúcio e Lao Tzu, como regente dos primeiros anos do reinado de seu jovem sobrinho, foi o arquiteto do sistema feudal chinês. Ele foi responsável pela criação do sistema de herança dos clãs conhecido com tsung fa. Sob este sistema, a sucessão passa da esposa principal ao filho mais velho. Filhos mais jovens ou filhos de concubinas tornam-se fundadores de seu próprio clã. Assim os senhores feudais tinham uma dupla relação com o rei. Em termos políticos são vassalos e ao mesmo tempo são uma ramificação do clã real com quem possuíam laços sanguíneos. Obrigações políticas tinham então sua raiz nas obrigações familiares. Na segunda parte da secção, as seis relações mencionadas referem-se aos seis graus de parentesco: pai, mãe, irmão mais velho, irmão mais novo, esposa e filhos. Este sistema garantiu a solidez da dinastia Chou e perdurou na China durante séculos.

Dentro deste principio, Confúncio fez do amor natural e das obrigações familiares a base da sua moralidade. As duas relações mais importantes dentro da família são aquelas entre pai e filho e entre irmão mais velho e irmão mais novo. A idéia do confuncionismo era se um homem é um bom filho e um bom irmão em seu ambiente familiar, pode-se esperar que se comporte bem em sociedade. Tzu-yu, discípulo de Confúcio, disse: “É raro um homem que é bom como filho e obediente como jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores; não se sabe de alguém que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião”.

E concluí: “ser um bom filho e um jovem obediente é, talvez, a raiz do caráter de um homem. Dentro deste pensamento se um bom filho faz um bom súdito, um bom pai também fará um bom governante. Assim o amor de um homem pelas pessoas externas à sua moradia era visto como uma extensão do amor do homem pelos membros de sua família. Gradualmente conforme se projeta para fora da família a obrigação de amar diminui. Socialmente, uma pessoa amaria os membros de sua classe social mais do que os de outras classes. De modo que a benevolência ficava restrita aos semelhantes dessa pessoa na antiga concepção confuciana.

Assim foi que Lao Tzu elaborou esta secção com ironia e ao mesmo tempo reverência, crítico feroz que era do pensamento confuciano sabia que as relações de família e de poder na China possuiam, na prática, uma complexidade e uma dinâmica bem maior que os ideiais da tradição oficial. Sheakspeare em sua peça imortal “Rei Lear” consegue traduzir o sentido do relacionamento familiar contaminado com as questões associadas ao poder. O rei do título da peça resolve dividir seu reino duramente conquistado entre as filhas, e é despojado do poder e transformado em mendigo pela própria temeridade e falta de sabedoria.

Para Lao Tzu, a Virtude (te) não é virtuosa, ela simplesmente adquire diferentes características, conforme o caso, subordinada que está ao Tao.

Nos tempos atuais, a humanidade no seu afã em dominar as forças da natureza promove o desequilíbrio e ameaça a sua própria existência. Na política e nas relações familiares cada vez mais perdemos o sentido de sua finalidade original, e perdemos a naturalidade destas relações que deveriam sobrepor leis e normas impostas pela sociedade. Quando os governantes levantam e impõem bandeiras de moralidade acaba sofrendo o povo com leis injustas e discriminação. Na Idade Média, por exemplo, a Santa Inquisição, para salvar a alma dos pecadores, imolava seus corpos na fogueira, demonstrando profunda preocupação com a fé dos crentes. Nos regimes capitalistas e comunistas podemos encontrar a mesma hipocrisia travestida de bem comum. Infeliz é a sociedade que necessita do paternalismo de salvadores para atingir maior justiça social. Infeliz é a família que necessita de conselheiros para manter sua harmonia.

Existe maior possibilidade de sobrevivência a sociedade e o individuo que não tem ansiedade por sobreviver. O verdadeiro poder da virtude está disponível àqueles que não buscam o poder, nem utilizam a força. O contrário é depositar demasiada tensão sobre determinado sistema ou relação. Melhor se preserva aquele que flui sem tensão, como Jesus ensinava a não ansiar pelo dia seguinte e fazer o melhor sem esperar resultados. Devemos evitar a ilusão de controlar os acontecimentos da vida, pois este com certeza não é o caminho do Tao.

XIX.
A Construção do Ser.

Bane o conhecimento, despoja-te da sabedoria
e o povo aproveitará o cêntuplo.
Bane a doutrina do amor e da justiça
e o povo recuperará o amor próprio.
Bane a astúcia, rejeita as utilidades
e os ladrões e mercenários sumirão.
Como essas três coisas são exteriores
são inadequadas.

O povo necessita de quem pode acreditar e depender.
Revela teu ser comum.
Contém tua natureza original.
Refreia teu egocentrismo.
Encurta teus desejos.

Comentário:

O conhecimento intelectual tão valorizado no ocidente, nossa teologia ou mitologia não servem como referência ao taoísta para explicar os fenômenos interiores da quietação da mente na busca pelo Caminho Perfeito, isto é, a descoberta de nossa Verdadeira Natureza. Assim todas as coisas exteriores devem ser tratadas como tal. Dar demasiada importância aos acontecimentos exteriores afasta o buscador do Tao do verdadeiro Caminho.

Nossa Verdadeira Natureza só se manifesta quando aprendemos a perceber o Vazio, abrir na nossa mente infinita uma janela e descortinar o abismo sem fim da Criação, sem teorizações ou conceitos intelectuais aprendidos em livros, pois mesmo este comentário ou a secção em questão não pode expressar a verdade absoluta que não pode ser explicada em palavras, mas é uma experiência absolutamente particular. Nisto é que consiste a unidade do ser, e significa voltar-se para dentro, pois nossa Verdadeira Natureza sempre esteve lá, somos nós é que não percebemos aprisionados que estamos ao contato excessivo de nossas sensações com o que denominamos exterior.

Nossa Verdadeira Natureza é nosso patrimônio espiritual particular e intransferível. Não pode ser outorgado por nenhuma religião de mistérios, nem facilitado por nenhum guru. A condição primeira para a percepção da nossa Verdadeira Natureza é a volta à inocência infantil, à pobreza de espírito e à virgindade intelectual.

XX.
O mundo e eu.

Bane o conhecimento e não haverá mais aflições.
Que diferença existe entre o bem e o mal?
Aquilo que os homens temem e honram
é para ser temido e honrado.

Ó solidão; quanto tempo vais durar?
Mas, aí de mim! Tão longe ainda está o despertar.

Os homens estão em festa
como se estivessem comendo as oferendas do sacrifício
ou subindo as colinas na primavera.

Só eu sou hesitante, fraco
como um desempregado
ou um recém nascido que ainda não pode chorar,
desgarrado como alguém sem um lar.
Todos os homens têm o supérfluo.
Só eu sou esquecido como alguém posto de lado
sou por todos deserdado.

Minha mente precisa ser a de um louco
que se tornou enlodoada, nebulosa!

Os vulgares se sentem sábios.
Somente eu me sinto estúpido, confuso.
Os vulgares se sentem inteligentes, infalíveis, seguros de si.
Somente eu estou deprimido.

Irrequieto – à mercê das coisas
como as ondas do mar,
incerto, aparentemente sem rumo
rodopiando sem cessar.

Todos os homens têm seus objetivos.
Só eu sou ocioso como um mendigo,
somente eu pareço obstinado, extravagante,
diferente das outras pessoas,
porque venero profundamente o Caminho (do Tao)
a Mãe que a todos alimenta.

Comentário:

Sobre esta secção do Tao Te Ching, a mais personalista e pessoal de Lao Tzu, mas que serve para comprovar a integridade da obra e a autoria do mestre, algumas vezes questionada, Carl Jung em sua obra “Memórias, sonhos, reflexões” fez um comentário esclarecedor: “Quando Lao Tzu diz: “Todos os seres são claros, só eu sou turvo”, exprime o que sinto em minha idade avançada. Lao Tzu é o exemplo do homem de sabedoria superior que viu e fez a experiência do valor e do não-valor e que no fim da vida deseja voltar ao seu próprio ser, no sentido eterno e incognoscível. O arquétipo do homem idoso que contemplou suficientemente a vida é eternamente verdadeiro; em todos os níveis da inteligência, esse tipo aparece e é idêntico, quer se trate de um velho camponês ou de um grande filosófo como Lao Tzu. Assim a idade avançada é... uma limitação, um estreitamento. E no entanto – comenta Jung - acrescentou em mim tantas coisas: as plantas, os animais, as nuvens, o dia e a noite e o eterno no homem. Quanto mais se acentuou a incerteza em relação a mim mesmo, mais aumentou meu sentimento de parentesco com as coisas. Sim, é como se esta estranheza que há tanto tempo me separava do mundo tivesse agora se interiorizado, revelando-me uma dimensão desconhecida e inesperada de mim mesmo”. Com estas palavras literalmente brilhantes o “Hexen Meister” ( Feiticeiro Mor ) de Zurique, como era chamado, demonstra seu entendimento e a sabedoria das palavras do grande Sábio chinês, o homem-mito do Tao.

XXI.
As manifestações do Tao.

Os sinais de grande virtude partem de Tao.
Em cada movimento
o homem Sábio persegue o Caminho Prefeito.

A coisa que se chama Tao é ardilosa, esquiva,
esquiva e ardilosa.

Embora potencialmente latentes dentro dela estejam as formas.
Ardilosa e esquiva.
Embora latentes dentro dela existam objetos.
Profunda e escura.
Embora latentes dentro dela esteja a Força da Vida,
a Semente Verdadeira da Existência.

Desde a antiguidade até o presente
muitas foram as denominações recebidas
manifestadas em formas através das quais podemos perceber
a Origem de todas as coisas.

Como podemos perceber a Origem de todas as coisas?
Só através das próprias coisas.

Comentário:

Explicar o sentido da existência, particularmente denominada de Tao por Lao Tzu, é o objetivo dos filósofos de toda a humanidade. Magos, sacerdotes, filósofos e cientistas, cada um a sua maneira criam uma divindade, uma idéia, um princípio, uma teoria para explicar o sentido da Criação. Entretanto cada um ao buscar a verdade absoluta só consegue perceber uma pequena parcela do sentido total e da proposta final da existência do Kosmos. Este é o nosso destino. Buscamos amparo em conceitos abstratos e nomenclaturas, e muitas vezes esquecemos que o milagre da vida é algo para ser sorvido a cada minuto, a dádiva perpétua deve ser aproveitada da melhor forma possível e não dogmatizada, teorizada ou analisada em aceleradores de moléculas. Deixemos isto para os que se deleitam em fazer teorias, mas que não conseguem enxergar a floresta pois estão a vislumbrar e desvendar apenas uma pequena rama. Nesta secção o autor confessa a falta de necessidade de traduzir em palavras o sentido inescrutável de Tao.

XXII.
Humildade.

Ceder é preservar-se por inteiro.
Vergar é manter-se ereto.
Esvaziar-se é estar cheio.
Ser destruído é renovar-se.
Desejar algo é possuí-lo.
Possuir demais é cair na confusão.

Assim o Sábio abraça a Unidade do Tao
e se torna modelo para o mundo.
Ele não se revela,
por isso atinge a iluminação.
Ele não se justifica
e todavia sua fama é extensa.
Ele não se ufana de si mesmo
e assim mesmo recebe crédito pela sua obra.
Ele não se enaltece
e todavia é o dirigente entre os homens.

Porque ele não disputa com outros
no mundo também ninguém o agride.
Não é verdade o que os antigos Sábios pregavam,
ceder é preservar-se por inteiro?
No fim tudo volta a perfeita integridade.
Assim ele é preservado
e o mundo todo lhe rende homenagens.

Comentário:

Apesar do conteúdo pacifista desta secção, é exatamente nas lutas marciais que vamos encontrar um paralelo para discutir seu sentido. Nas lutas marciais chinesas os movimentos circulares permitem anular a tensão do golpe do oponente. Permitindo a ação ou o ataque e aparentemente cedendo espaço ao golpe através do desvio de seu impacto através do movimento das mãos e do corpo pouco esforço é exercido na defesa, obrigando o lutador adversário a uma constante tensão e um maior dispêndio da sua energia vital no seu objetivo de acertar o seu golpe direto. Assim ceder é preservar-se do adversário. Esta é a base de raciocínio de Lao Tzu. Neste caso o vazio é o aliado do lutador, pois a energia do adversário fica perdida a cada golpe sem oposição, enfraquecendo a ação do agressor.

A imagem de uma árvore, cujas folhas se renovam com a mudança das estações permite ao buscador do Tao perceber que a transformação interior muitas vezes passa pela destruição de antigos paradigmas, valores que considera sólidos como uma rocha, que tornam o homem impermeável às mudanças necessárias da vida e muitas vezes amargurado na velhice em vez de sábio. Só sendo flexíveis em relação a estes valores podemos realizar verdadeiras mudanças em nosso interior e com isto alterar o destino de nossas vidas.

A humildade é a melhor ferramenta que dispomos para promover transformações interiores, junto com a cordialidade e o respeito ao próximo. Quando somos sinceros conseguimos transmitir bons sentimentos para os outros e quase sempre recebemos sua aceitação e respeito e até mesmo sua concordância com uma liderança natural de formador de opinião. O verdadeiro mestre sabe aprimorar seu estilo para provocar grandes mudanças ao redor sem nada fazer e assim mesmo tudo realizando.

XXIII.
A virtude do Tao.

De poucas palavras é a Natureza.
Um aguaceiro não chega a durar uma manhã inteira.
Uma tempestade não dura todo um dia.
De onde ambos provêem?
Do Céu e da Terra.

A Natureza não se prolonga em suas manifestações.
Podem ser diferentes os homens?
Sendo de poucas palavras aquele que segue o Tao
com a Unidade está identificado.
Aquele que segue a Virtude
com ela está identificada.
Aquele que abandona o Tao
com o abandono da Unidade está identificado.
Mas quem com o Tao se identifica
por Este será sempre bem aceito.
Assim como quem se identifica com a virtude
por ela será sempre bem aceita.
Quem se identifica pelo abandono,
ele também se alegra com sua vinda.

Portanto quem não tem fé, mesmo com muitas palavras,
não é capaz de reger a fé de seus semelhantes.

Comentário:

Os tradutores mais conceituados indicam uma deturpação no texto em relação ao sentido original. Na tradução de Lin Yutang para o inglês, entretanto, encontramos uma versão que se adapta mais ao sentido maior da obra. É coerente com o conjunto de textos anteriores e posteriores sobre a idéia do Tao. Outros tradutores pelas influências que sofreram das próprias crenças originárias, cristãs ou budistas, tentam adaptar suas versões aos seus próprios dogmas e conceitos. Não será esta a sabedoria oculta na secção? Quando desconhecemos nossa Verdadeira Natureza buscamos em nosso ego uma resposta para nossas inconformidades com a vida e tentamos adaptá-la aos nossos interesses pessoais.

Para os chineses o homem sábio ou cavalheiro era de poucas palavras, virtude valorizada por Lao Tzu e Confúcio. Homens falastrões e com boa oratória em demasia colocavam em risco a sua vida e a de outras pessoas. No ocidente existe um provérbio que diz: “o burro calado passa por ladino”, para ressaltar a esperteza na pessoa que pouco fala. O demagogo com seus gestos e palavras exuberantes, mas desprovido de virtude poderá enganar alguns ingênuos por tempo determinado, porém mais cedo ou mais tarde suas verdadeiras intenções são descobertas ao cair em contradição os seus atos com sua doutrina.

XXIV.
A Borra e os Tumores da Virtude.

Aquele que fica na ponta dos pés não tem firmeza.
Aquele que exagera seus passos não caminha bem.
Aquele que quer aparecer não será iluminado.
Aquele que gaba a si próprio não merece crédito.
Aquele que se orgulha em excesso
não será exaltado pelos homens.

Estes aos olhos do Tao são denominados:
“Os tumores e a borra da Virtude”, que são coisas nauseantes.
Os buscadores da Unidade devem afastar-se destes caminhos.

Comentário:

Esta secção possui conteúdo moral e parece ser uma continuação da secção anterior. Certas posições que assumimos não dão firmeza e não podem ser mantidas por muito tempo. O orgulho a terra cobre diz o ditado popular, e perturba o orgulhoso, inebria como o vinho. Quando alcançamos o mérito de conhecermos uma parcela de nossa Verdadeira Natureza não devemos nos encher de superioridade em relação aos demais sob o risco de reafirmarmos nossa ignorância na verdadeira sabedoria do Tao e retornarmos ao nível inicial de percebimento depois de ter dispendido largo esforço no Caminho.



XXV.
Os quatro modelos eternos (As faces do Mistério).

Antes que existisse o Céu e a Terra
só havia uma nebulosa silenciosa,
isolada, suspensa, sozinha e imutável.
Segue ela em círculo, sempre em movimento,
eternamente evoluindo sem decair.

Digna de ser a Mãe de todas as coisas,
não sei seu nome,
mas na falta dele eu a chamo de Tao.
Fazendo um maior esforço para dar-lhe um nome
eu a chamaria “a Grande”.
Ser grande implica estender-se pelo espaço;
estender-se pelo espaço implica ter longo alcance.
Ter longo alcance implica na volta ao ponto de partida.

Portanto o Tao é grande.
Grandes são o Céu e a Terra,
como grandes são os monarcas.
Eis as quatro grandezas do Universo:
o homem modela a si mesmo pela Terra,
a Terra pelo Céu,
o Céu por Tao,
e Tao por si mesmo.

Comentário:

A teoria dos campos, a mecânica quântica, a cosmologia e a cosmogonia aceita pelos cientistas estão nesta secção claramente revelados por Lao Tzu, que através da observação da natureza buscou desvendar parte do mecanismo de funcionamento do Universo e seus mistérios. Podemos perceber que o imaginário associado ao Tao é maternal e não paternal. O dom da passividade, pela qual as mulheres se tornaram célebres, abriga a gravidade como sua energia mestra. O Tao é o grande campo unificador de todas as forças fortes e fracas existentes. Gravidade, eletromagnetismo, atração, repulsão são os processos dinâmicos que deram origem ao que denominamos Universo, onde a matéria faz sua presença e evolui em direção a senciencia. Dentro deste campo unificador as subpartículas desde a Fonte até os recônditos mais distantes do espaço infinito possuem regras únicas de função e informação que garantem a integridade da Criação de forma instantânea e ininterrupta. São Boaventura, citado por Jung na sua obra “Mysterium Coniunctionis” de forma similar menciona: “Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em toda a parte e cuja circunferência não está em parte alguma”.

XXVI.
Serenidade.

O denso é a origem da luz,
a serenidade a mestra da inquietação.
Assim o Sábio labuta o dia inteiro,
embora nunca descuide de sua carroça de provisões.
Em meio a honrarias e glórias do povo
vive cômodo e imperturbável,
e também permanece satisfeito na sua solidão.

Tanto menos é permitido ao Senhor do Reino
a preocupar-se com as coisas do Universo!
Por essa negligência o equilíbrio se perde.
Na precipitação perdemos o autocontrole.
Pela inquietação um soberano perde seu trono.

Comentário:

O taoísmo em sua essência é uma filosofia materialista no seu sentido mais profundo, diferente do budismo. Na filosofia budista encontramos no Zen (Ch’an) algumas semelhanças com o taoísmo do qual sofreu grande influência na China. Muitas das secções do Tao Te King têm sintonia com os Koans proferidos pelos mestres Zens em sua forma de perceber a Verdadeira Natureza do Tao. Seu sentido não racionalista serve para instigar a mente do buscador do Tao, promover uma reflexão sobre questões interiores da mente humana sobre a totalidade e derrubar paradigmas pré-estabelecidos pela mente comum sobre fé e religião. Para o monarca que pretende comandar seu reino preocupar-se com as questões do Universo e esquecer os problemas mundanos relacionados com seu governo pode ser um erro grave e até mesmo mortal. Para o Sábio também o martírio é desnecessário para obter sua evolução espiritual.

A vida mundana e a vida espiritual são uma coisa só, a mente discricionária é que busca fazer julgamentos e distinções.

O homem Sábio não descuida dos mantimentos pois não tem como saber quando terá que atravessar terreno inóspito. Tudo o mais de que falam pseudo espiritualistas e orientalistas que tentam adequar suas doutrinas ao taoísmo são divagações de filósofos de difícil comprovação e carregadas de preconceitos em relação à existência e misticismo pretendendo uma falsa transcendência espiritual redentora.

A experiência do Tao como reconhecimento de nossa Verdadeira Natureza é um processo contínuo na vida cotidiana, que se desenrola em correspondência do Aqui e Agora. A contemplação, a vida como função transcendental, ocorre portanto no Aqui e Agora; só o homem que integra plenamente seu interior e o seu exterior se torna um homem verdadeiro.

XXVII.
O furto da Claridade.

O bom andarilho não deixa rastros de sua passagem.
O bom orador nada diz que precise desmentir depois.
O bom calculador não faz uso de máquinas de calcular.
O bom guardião não necessita de chaves ou fechaduras.
Uma porta bem fechada não faz uso de gonzos
e dificilmente será aberta.
Um nó bem amarrado não faz uso de cordas
e não pode ser desmanchado.

Assim o Sábio é útil auxiliando os homens;
para ele não há ninguém desprezível.
Ele é bom salvando as coisas
e por esta razão não há nada que possa ser rejeitado.
A isso chamamos “o furto da claridade”.

Portanto o homem bom é o instrutor do mau,
e o mau homem é uma lição para o bom.

Quem não honra seus mestres nem ama suas lições,
a despeito de todo o conhecimento, estará em grave erro.
Esse é o sutil segredo.

Comentário:

Mais outra secção que traduz um conceito recorrente no taoísmo de Lao Tzu. A Virtude de que fala Lao Tzu não é a do sentido de retidão moral, mas sim a percepção ou expressão do Tao que atribuiu a cada uma das “dez mil coisas” atributos e características particulares que no seu conjunto formam a totalidade. A virtude do leão é ser o predador na savana, por este atributo ele cumpre sua função e mantém parte do equilíbrio natural evitando uma superpopulação de ruminantes e herbívoros. Estes por sua vez cumprem sua função transformando os campos e gerando proteína animal para alimentar os predadores. Só a humanidade se afasta do Tao, com suas desculpas e ganância destroem a natureza em nome de uma civilização que caminha cada vez mais em direção ao abismo. O homem que afastou-se do Tao com suas falsas crenças é o grande desastre ecológico do planeta, o construtor de uma bomba de tempo, enquanto o cidadão comum se ilude com suas ideologias de “bondade em Cristo”.

XXVIII.

A inteligência do Feminino.

Quem conhece a própria virilidade desconfia do masculino
e preserva o próprio feminino.
Desta forma se torna o Vale do Mundo.
Assim adquire a virtude eterna,
tornando-se novamente como uma criança.
Aquele que tem consciência da candura,
se preserva também da torpeza,
tornando-se o modelo do mundo.

Tornando-se o modelo do mundo adquire a vida eterna,
e retorna outra vez ao principio, à Fonte, ao Incriado.
Aquele que conhece as honras, mas se mantém na obscuridade,
e preserva a própria vergonha
torna-se o Vale do Mundo.

Tornando-se o Vale do Mundo
possui o poder eterno que sempre satisfaz,
e retorna outra vez à simplicidade original da virtude.
Foi esta simplicidade que formou todas as coisas.
Esculpindo na madeira bruta a forma
o Sábio com suas mãos a transforma em instrumentos úteis,
que por sua vontade se convertem em operários.
Portanto para fazer uma obra grandiosa o bom mestre legisla,
nunca prejudica, não poda, nem destrói.

Comentário:

O “Incriado” (Wu Chi), da segunda estrofe é o estado em que ainda não houve a separação dos opostos e está situado além do Vir-a-ser, antes do nascimento do princípio primordial (Tai Chi).

O Tao em seu conjunto é interpretado como “de antes do tempo” no sentido de “não-ser” e “depois do tempo”, como “ser”, o Universo e sua criação. Esse seu aspecto, como “não-ser” e “inominado” significa o Tao em si, o axioma da ordem acausal, enquanto o Tao como “ser”, ou as dez mil coisas e seus nomes, representa o horizonte de eventos, o ser preso ao tempo e submetido às suas condições. Esse Tao do não-ser, o inominado, o incriado, é objetivado por Lao Tzu como a perfeição espiritual, com as mais variadas formulações, tais como: “mãe do universo”, “mente singela”, do coração puro do recém nascido, que está livre de cobiças humanas, da simplicidade de espírito. Segundo o mestre somente com esta atitude espiritual-psíquica é possível contemplar o milagre, a misteriosa profundidade do Tao.

XXIX.
Conselho pela Paz.

Há homens que querem conquistar e manipular o mundo
fazendo dele o que seu capricho concebe.
Vejo que nada conseguirão.
Pois o mundo é o recipiente do próprio Deus
e não pode ser manipulado pelos caprichos humanos.
Aquele que tenta desperdiça-o e o destrói.
Quem insiste perde-se e perde-o.
Pois as dez mil coisas estão sempre em mutação constante,
muitas avançam, outras regridem,
umas são fortes, outras são frágeis,
alguns destroem, outros são destruídos.
Por esta razão o Sábio evita todo o excesso,
as extravagâncias e o orgulho.

Comentário:

Aldous Huxley dizia no final do séc. XX que a civilização industrial se assemelhava a um marinheiro extravagante, recém chegado ao porto que gasta todos seus recursos na embriaguez e na farra. Ele já adivinhava na metade do século passado que o custo do progresso a qualquer preço iria causar grandes danos ao meio ambiente do planeta. A elite tecnológica e militarista que hoje se apossou do poder trabalha sem descanso para fazer os povos acreditarem que a felicidade é a multiplicação indefinida das necessidades humanas. Os resíduos de tal civilização hoje cobrem boa parte do planeta e permanecerão existindo por milhares de anos. Mas possivelmente a humanidade como a conhecemos um dia seja extinta. É a existência do homem do planeta que está ameaçada. Em seu lugar talvez o planeta Terra, cuja principal virtude é a criação da vida, permita que outros entes mais sábios possam existir no paraíso do Tao cumprindo assim mais uma vez o mandato do Céu.


XXX.

Evitar a Violência.

Aquele que pretende governar os homens por meio do Tao

não domina o mundo pelas armas.

A força logo terá a força contra si,

porque as ações violentas retornam à sua origem.

Onde acamparam exércitos,

logo só restaram cardos e espinhos.

Ao nascimento de uma grande hoste

sempre seguiram-se anos de fome.

Portanto o bom general ao atingir seu objetivo detém-se.

Ele busca apenas a decisão.

Atinge seus objetivos sem se ufanar.

Atinge seus objetivos sem soberba.

Atinge seus objetivos como uma missão lamentável,

sem amar a violência.

Pois as coisas só amadurecem após atingir seu apogeu.

A violência é sempre contra o Tao.

Aquele que é contra o Tao perece jovem.


XXXI.


Instrumentos do Mal.


As mais belas armas são instrumentos de mau agouro.

Os seguidores do Tao as evitam.

O nobre cavalheiro em sua vida na corte considera a esquerda

o local de honra, sinal de bom agouro.

Mas na carreira das armas o lugar de honra é na direita,

sítio do mau agouro e da destruição.

Todas as armas são instrumentos do mal.

Não são os instrumentos dos Sábios.

Ele as utiliza somente premido pela necessidade.

Quando o esforço das armas não pode receber auxilio,

a melhor política mantém-se na reserva.


Mesmo na vitória nem sempre há beleza,

e aqueles que chamam a isso beleza

são os que se deliciam com a carnificina.

E quem se delicia com a carnificina

não consegue atingir seu objetivo no mundo,

nem dirigir um império.

Nos dias festivos a esquerda é considerada o lugar de honra,

nos acontecimentos infaustos a direita é o lugar de honra.

O lugar-tenente do general fica de pé a esquerda.

O general fica a direita do monarca.

Aquele que matou milhares

deve prantear suas mortes com compaixão.

A vitória deve ser celebrada com cerimônias fúnebres.

Comentário: 

Não existe justificativa alguma para a guerra. O mestre Lao Tzu que viveu em um período de grandes conflitos desprezava a ambição dos senhores da guerra que levavam sofrimento e fome ao povo enquanto lutavam para obter o poder absoluto.


XXII.

O Tao Absoluto é inominável

Sua poderosa força surge de algo diminuto

tornando invulnerável quem a possui.

É assim como a madeira ainda não entalhada

que não pode ser utilizada como uma tigela doméstica.

Se reis e príncipes entendessem o Caminho Perfeito

de comum acordo o mundo inteiro estaria ao seus pés.

Da união do Céu e da Terra cai suave chuva

independente da vontade dos homens

atingindo igualmente todas as coisas sem distinção.

A civilização humana nomeia todas as coisas

para julgar e discriminar suas formas.

Desde que as denominações foram dadas pelos homens

cada qual soube ao seu modo parar e repousar.

Pois quem conhece onde e quando deve parar

está isento do perigo.

A relação do Tao com o mundo é presente

aos cursos d’agua que descem as montanhas,

com as águas dos rios nos vales

que se lançam nos mares e profundos oceanos.

XXXIII

Autoconhecimento.

Quem conhece os outros é esperto.

Quem conhece a si mesmo é sábio.

Quem conquista os outros é forte.

Quem conquista a si mesmo tem a Força.

Quem é auto-suficiente e está satisfeito é rico.

Quem controla a si mesmo tem força de vontade.

Quem não perde o controle pessoal é imortal.

Quem mesmo na morte não perece atinge a vida eterna.

Comentário:

"A compreensão superior se isola e cai no ócio; a compreensão inferior fica cada vez mais preguiçosa. Palavras superiores podem arder em chamas e incitar conflagrações; palavras inferiores não passam de palavrório. As almas dos adormecidos vagam em busca de companheiros, mas quando despertos aliam-se a tudo o que é exterior; os corações envoltos pela indecisão, pelo engano e pelas seduções. Pequenos medos desassossegam o coração; grandes medos contorcem as vísceras de tanta indecisão"


"Certas almas voam como setas de besta, transformando cada 'isso' ou 'aquilo' em 'certo' ou 'errado'. Outras se arraigam como posseiros, guardando aquilo que acham que conquistaram. Morrem como o Outono quando chega o Inverno, minguando como a luz do dia no final da estação. Afogam-se nas próprias palavras. Ninguém pode ajudá-los a erguer-se e começar de novo. Suas próprias decisões determinam a sua opressão. Envelhecem e seu sangue se afina e a morte avulta, mas ninguém consegue olhar com profundidade suficiente dentro do coração para encontrar o Yang do Sol, levantando-se com ele para começar de novo".



"Desde o momento em que estabelecemos uma forma para nós, não podemos esquecer que meramente aguardamos a sua exaustão. Brandimos nossas espadas para rechaçar as coisas desse mundo ou as exaurimos, como elas também nos exaurem, como o cavalo que cavalga até a completa exaustão. Ninguém nos pode parar. Não é patético ? Cruel ? Vem o Inverno, o fio da nossa vida se acaba, e nos escravizamos para alcançar um fim que jamais enxergamos, os corações exaustos em cansativas labutas, sem jamais conhecer uma casa a que possamos voltar. Não é deplorável ? Você pode até dizer: 'Pelo menos não estou morto'- mas que bem há nisso ? A sua forma irá mudar, e com ela seu coração. Não podemos considerar isso verdadeiramente lamentável ? Mas é essa a vida humana. Pode ela perder-se no capim rasteiro ? Serei eu, só eu, o único perdido ? Não estão os outros igualmente perdidos ?" (Chuang Tzu)

XXXIV

A Conquista.

O imenso Tao está em tudo.
Sua potência irradia-se, como uma torrente,
em todas as direções.
Todas as coisas Lhe devem a existência
e Ele não as renega.
Quando sua obra está completa
Ele não se apropria delas.
Ele veste e alimenta todas as coisas,
embora não faça reclamos de sua posse.
Como todas as coisas e seres derivam Dele,
sem perceber sua sutil presença
podem alguns considerá-Lo pequeno.
Sendo a meta de todas as coisas, o ponto de encontro,
mesmo sem proclamar-Se
na verdade chamá-Lo de grande deveriam.
Assim também o Sábio atinge seus fins
sem proclamar sua própria grandeza.

XXXV

A Paz de Tao.

Suspende o grande símbolo circular
para que todo o Mundo o siga.
Segue-o na Paz, na serenidade, na abundância.

Músicas e iguarias podem fazer o peregrino
deter-se em seu caminho.
Pois Tao é benévolo com o paladar dos homens.

Mira-o, Ele deve ser encarado.
Escuta-o, Ele deve ser ouvido.
Sentimos, mas não entendemos o Seu chamado.
Porém se recorrermos a Ele Seu uso é inexaurível.

XXXVI

O Ritmo da Vida

Quando comprimimos algo
primeiro devemos deixar que se expanda
Quando o enfraquecemos
primeiro devemos deixar que se fortaleça
Se pretendemos despojá-los
primeiro devemos lhes dar presentes
É a Suprema Clarividência
Isto é chamado “conhecer bem o invisível”
A brandura triunfa sobre a dureza.
A fraqueza triunfa sobre a força.

Não se deve tirar o peixe das profundezas do tanque,
nem revelar ao povo os meios de ação do reino.
Assim as lanças e espadas da região podem ser postas de lado,
onde ninguém possa encontrá-las.

XXXVII


A Paz no Mundo.

O Tao é um não-fazer eterno,
mas mesmo assim nada fica sem ser feito.
Se reis e príncipes puderem preservá-lo
O Mundo se transformaria por si mesmo à simplicidade primitiva
 das coisas sem nome.
O que é simples gera ausência de desejos.
A ausência de desejos cria a serenidade.
Assim o Mundo se endireita e recupera a Paz por si mesmo.


II Parte – A Prática do Taoísta.

XXXVIII

A Degenerescência

A dignidade não tem segurança de suas virtudes
por isso mesmo é virtuosa.
A ralé só se preocupa em não perder sua reputação
por isso mesmo dela é desprovida.
Pessoas de boa índole não gostam de interferir
ainda que por força maior.
Mas por qualquer razão a ralé se agita.
O generoso derrama benesses sem segundas intenções.
Mas o justo só faz atuar a justiça por força maior.
Entretanto quando o homem de conduta se levanta
e não encontra eco
então ele fecha os punhos e força os outros
a se moverem.

Portanto:
Só depois da perda de Tao se impõe a “doutrina da bondade”
Só depois de perdida a bondade se levanta a justiça
e ao decair depois a justiça
a conduta pessoal se manifesta e inicia então o caos.

Os Sábios profetas são ramificações de Tao
e também a origem da loucura.
Todavia o homem sábio firma-se em sólidos alicerces
e não na agulha das cumeeiras.
Ele reside no fruto e não na tentativa das florescências.
Por isso sabe rejeitar esta e obter àquele.

Comentário:

A seção contrapõe o pensamento confunciano de então na China. A doutrina da bondade servia para os nobres atender com consideração seus pares e com tolerância os inferiores, numa estrutura de castas sem mobilidade. Vassalos e vilões, cada um conhecia seu papel. Romper com esta estrutura era romper com o equilíbrio do próprio universo. No mundo contemporâneo as crenças e ideologias levam o individuo a servir de massa de manobra de interesses econômicos que homogeinizam e distorcem as filosofias religiosas para torná-lo passivo ao assalto dos falsos profetas. 0s poderosos se utilizam da doutrina da bondade para condenar os menos favorecidos à eterna escravidão, à dependência da filantropia, enquanto criam uma sociedade automatizada que só favorece à criação de prosperidade para alguns poucos legitimados pelo sistema de produção tecnológica. Manter multidões fora do sistema e criar políticas assistencialistas reduzem o homem comum à corrupção máxima de transformar-se em dependente da esmola do estado ou da sociedade.

Nos países pobres do hemisfério sul o caos na forma de violência, tráfico de drogas, prostituição e trabalho pouco remunerado vem históricamente aumentando em paralelo com a decadência do poder do estado e a ganância de grupos poderosos, prenúncio do caos que se avizinha.

O homem sábio alerta e prepara sua comunidade para as mudanças e despreza o fanatismo da idolatria. Tao dispensa os fanáticos e os místicos.

Outra versão traduzida da seção diz no primeiro poema:

“A Virtude superior (Te) não é (intencionalmente) virtuosa, por isso é virtude”.
“A virtude inferior insiste em ser virtuosa, por isso não é virtude”.
“A Virtude superior não usa a força mas nada deixa por fazer”.
“A virtude inferior usa a força mas nada consegue”.


No Taoísmo, Te (a Virtude) é algo que transcende os aspectos éticos do sentido dado ao termo pelo confucionismo, é um processo natural, um atributo do homem sábio – sua habilidade inconsciente e espontânea em lidar com os obstáculos do dia a dia.

XXXIX

Inumeráveis são as coisas que atingiram a unidade
desde sua origem outrora.

Da posse do Uno
o Céu adquiriu seu brilho
a Terra ficou firme e estável
os espíritos e deuses adquiriram seu poder
os vales transbordaram férteis
Desde então todas as coisas vivem e crescem.

Da posse do Uno
príncipes e reis são coroados pelo povo
Todas as coisas são produto da Unidade.

Sem brilho o Céu não existiria.
Sem estabilidade a Terra poderia tremer.
Sem transcendência os espíritos e deuses perderiam sua divindade.
Sem a cheia no vale o solo ficaria estéril.
Sem o dom da vida todas as dez mil coisas seriam extintas.
Sem o poder do povo príncipes e reis seriam destronados.

É por isso que a nobreza tem como raiz o inferior.
O elevado sempre faz seu fundamento no que é baixo.
Eis porque príncipes e reis se intitulam:
“solitários”, “órfãos” e “sem mérito”.
Assim querem indicar que sua raiz está entre os humildes.
Não é verdade que eles dependem do poder do povo?

Desmancha as peças de um carro de guerra,
e ele deixa de existir.
Melhor que o brilhante tilintar do jade
é o ressoar do eco da montanha.

Comentário:

As expressões “solitários”, órfãos, “destituídos de mérito” são as autodesignações oficiais dos antigos monarcas chineses em relação ao Céu, conforme explica Wilhelm em sua conhecida tradução. A imagem do carro provavelmente deve ser interpretada da seguinte maneira: “assim como o carro de guerra não pode existir sem seus diversos componentes o princípio do poder dos mandatários inexiste sem a aceitação dos seus súditos”.

A montanha significa a unidade e superioridade do conjunto da natureza em relação aos valores individuais de riqueza e ganância do homem fragmentado simbolizada pela ostentação de jóias belas e caras que chamam atenção pelo seu tilintar e brilho.

A busca da unidade interior é o objetivo das práticas de meditação Zen e Taoístas. A mente quando consegue atingir sua unidade encontra um nível superior de entendimento da criação, da espiritualidade e das coisas mundanas.

Outra versão do texto comumente aceita em relação ao penúltimo parágrafo seria: “Verdadeiramente, o mais alto prestígio dispensa louvores”. Interpretação considerada errônea por alguns tradutores.

O mais certo a ser considerado em relação à filosofia Taoísta e expressa no verso é a interdependência dos interesses do soberano com os do seu povo e a afirmação da unidade povo/soberano como modelo do estado ideal, orgânico.
Podemos também concluir que a montanha diferente do jade não é feita de pedra, ela é a pedra, assim como árvores não são feitas de madeira, elas são a madeira.

XL
O COMEÇO DO FIM.

Reverter é a meta de Tao
seu movimento nasce dos contrários,
sua função é gentil (flexível)
Assim todas as coisas nascem do Ser.
E o Ser nasce do Não-Ser.

Comentário:

O retorno à Fonte tanto no budismo como no taoísmo possuem expressão e reflexão especial. Todos voltaremos à Fonte que os antigos denominavam Tao, o vir-a-ser, e o Tao em sua jornada voltará ao não-ser, além do véu, incogniscível para os homens, além de nossa capacidade de compreensão, eterno ciclo de eras cósmicas, muito além do próprio tempo e espaço.

O Tao é primitivo, sereno, mas sua expressão é o contínuo movimento. Para que o movimento se perpetue é necessária a “gentileza” entre os elementos que compõem o universo, para nós composto de sólidos paradigmas que aprendemos chamar de realidade, física ou ciência, ilusão de nossa percepção, estrutura na verdade dinâmica que funciona em velocidade vertiginosa nos planos micro e macro, tela frágil na sua concepção, gentil, evita oposições e obra de forma sutil.

Assim o Universo em sua divina perfeição atua inexorável enquanto a humanidade vaga pelo planeta cheia de noções sobre “coisas concretas”, falsa ilusão de imutabilidade criada pelo curto tempo de nossa existência terrena, razão de frustrações para o individuo na busca do entendimento do sentido da vida, processo dinâmico de criação e destruição.

É difícil para nossa mente, com nossa lógica ocidental perceber que ser e não-ser são mutuamente geradores e sustentadores, pois nosso incomensurável terror está em que o nada seja o fim permanente do Universo como conhecemos. É difícil perceber que o vazio é criativo, e que o ser provém do não-ser, assim como o som provém do silêncio e a luz da escuridão do espaço.

XLI
Virtudes do Taoísta

Quando os maiores Sábios ouvem falar da verdade do Tao
se esforçam por praticá-la.
Quando esta verdade é ouvida por medíocres
eles fingem tê-la percebido
sem na verdade tomarem conhecimento dela.
Quando a última escória chega a ouvir a verdade do Tao
rebentam em gargalhadas,
e se não se rissem isto seria a negação do próprio Tao.
Conforme a antiga tradição:
O Tao iluminado para muitos é obscuro.
Quem progride na sua compreensão parece andar para trás.
O plano caminho do Tao é cheio de altos e baixos.
A mais alta virtude surge no vale.
A pureza suprema parece conspurcada.
Os caracteres parecem indefinidos.
Os sólidos temperamentos parecem inseguros.
Os mais dignos parecem contaminados.

Grandes espaços não possuem cantos.
Verdadeiros talentos custam a amadurecer.
A boa música dificilmente é ouvida.
A forma perfeita não tem contornos.
Assim é o Tao oculto dentro de seu próprio nome.
 Adepto do poder, auxilia e dá o remate final a tudo.

XLII
O Tao gera o Um.
O Um gera o Dois.
O Dois gera o três.

O três gera as dez mil coisas.

O Universo criado carrega o Yin atrás e o Yang adiante.
Através destes princípios penetrantes é obtida harmonia.
Ser “desvalido”, “solitário”, e “indigno” é que o homem mais detesta.
Todavia reis e príncipes assim se intitulam perante o Céu.
Portanto as coisas são beneficiadas quando afastadas para longe
e sofrem quanto mais perto estão.
O que os outros ensinam eu também ensino:
“O homem violento morre de morte violenta”
Máxima que usarei como uma mestra mental.

Comentário:

O primeiro verso é uma visão numerológica esotérica, também difundida pela Cabala Mística hebraica e pelo Pitagorismo a respeito da criação do Universo. Da tensão entre Yin e Yang produz-se o equilíbrio cósmico, “a força da força”.
Na última linha pode ser interpretada como: “Quero ser chamado pai (= fundador) desse ensinamento”.

A máxima é semelhante à idéia cristã de “quem com ferro fere com ferro será ferido” ou “quem vive pela espada morre pela espada”.

Outra versão comumente aceita: “Os violentos e os fortes não morrem de morte natural”.

XLIII

Delicada Substância

A mais sutil substância vence a mais impenetrável.
O amorfo penetra até mesmo onde fendas ou frestas não existem.
Através destes exemplos reconheço o valor da não-ação.
Poucos são os que alcançam o entendimento da não-ação,
do ensino sem palavras.

Comentário:

No original traduzido por Wilhelm o primeiro verso diz: “A coisa mais macia” em vez da escolha que fizemos do termo “sutil”, mas o sentido literal, isto é, como aquilo que não oferece resistência fica mantido no sentido poético do texto por nós alterado conforme constatamos nas outras traduções pesquisadas. Da mesma forma alteramos do original “aquilo que não tem existência” por “amorfo”, isto é, sem forma, sem alterar o sentido original. O sentido proposto no verso é algo não espacial capaz de penetrar qualquer ponto do espaço, isto é, o próprio Tao.

Muitas são as considerações que podemos fazer sobre este texto.

A física molecular observa os fenômenos que ocorrem na natureza no plano das subpartículas que coexistem no Universo. Os neutrinos, partículas presentes em todo o Universo, são tão diminutos e velozes que atravessam a matéria densa do planeta vindos dos confins do Espaço sem serem percebidos. Sem ajuda dos equipamentos e experimentos científicos dedicados não podemos sequer perceber sua presença. Instrumentos de custo elevadíssimo e alta precisão foram construídos para detectar um flagrante de sua presença sutil em cavernas profundas.

São estas radiações capazes de alterar o curso da evolução das espécies vivas do planeta? É sabido que na teoria evolucionista em voga os sábios cientistas apontam as radiações cósmicas como um dos fatores responsáveis pelas mutações de plantas e animais no planeta.

Novas instruções são codificadas no DNA mutante através da radiação definindo alterações somáticas e orgânicas que podem favorecer o surgimento de uma nova espécie ou condenar o gen mutante à extinção, o que é considerado pelos especialistas o mais provável. Seria a informação genética um exemplo do ensino sem palavras de que falava Lao-Tzu no texto?

O Tao age sobre o mundo físico, assim nada é metafísico ou sobrenatural, pois tudo emana e adquire existência a partir do Tao, isto é, da própria natureza intrínseca do Universo. Como exemplo mais simples podemos perceber o som de uma flauta, a música é intangível, mas existe. Da mesma forma as poderosas radiações cósmicas ocorrem, mas num plano sutil e ainda estamos engatinhando no estudo do seus efeitos sobre os seres vivos.

XLIV
Viva satisfeito

A fama ou o amor de si mesmo,
o que mais se deseja?
A vida ou a fortuna,
o que vale mais?
A renúncia pessoal ou a renúncia dos bens,
qual o maior perigo?
Na verdade aquele que mais gasta é o que mais ama.
Aquele que mais acumula é o que mais perde.
Aquele que está contente com suas posses não encontra desgraça.
Aquele que sabe quando deve parar, não corre perigo e vive eternamente.

Comentário:

Ao lermos este texto milenar não podemos deixar de admirar sua atualidade. A humanidade continua a adorar os ídolos da riqueza e poder e com esta adoração à matéria imola em sacrifício os valores do humanismo e da solidariedade na busca desenfreada pelo ganho imediato. A vida contemporânea impõe à mente humana uma dispersão, vivendo em constante sobressalto, amedrontados pela pressão do cotidiano, e amedrontados em relação aos nossos semelhantes que vivem ao nosso redor com os mesmos temores, pois o amar é trocado pelo querer, passando as relações humanas serem baseadas exclusivamente numa moeda de troca.

Este comportamento produz as frustrações em todos os níveis, pois até mesmo quem mais possui, mais quer acumular. Esta sacola mágica dos desejos possui capacidade infinita. Ser Infeliz é uma situação tão comum aos pobres mas também comum aos ricos. Devemos saber quando parar, devemos saber refletir sem culpas. Devemos com isto exercitar o “ser” e o “viver” ao contrário do “ter”.

No "Book of Tea" (Livro do Chá), de Okakura Kakuzo, sobre a cerimônia do chá ele comenta: não o chá mas a cerimônia é o que importa: "Mesmo na grotesca apologia do taoismo que encontramos na China de nossos dias, podemos deliciar-nos com um tesouro com um imaginário impossível de ser encontrado em qualquer outro culto. Mas a contribuição principal do taoismo à vida asiática foi no reino da estética. Os historiadores chineses sempre falaram do taoismo como da "arte de estar no mundo", pois trata do presente e de nós mesmos. É em nós que Deus se encontra com a natureza, e ontem se despede de amanhã. O presente é o infinito em movimento, a legitima esfera do relativo. A relatividade busca ajustamento; o ajustamento é arte. A arte de viver reside num constante reajustamentos de nosso ambiente.

XLV

A maior perfeição sempre se amolda ao imperfeito
e seu uso será infinito.
A maior abundância na sua plenitude parece vazia
entretanto seu uso constante jamais a esgotará.
A maior retidão parece ser curva.
O maior talento parece uma estranha tolice.
A maior eloqüência parece balbuciar.
O movimento vence o frio.
O repouso vence o calor.
Pureza e quietude são o padrão de medida do Universo.

Comentário:

Todas as coisas aparentam imperfeição, estão incompletas, são sem sentido perante o vir-a-ser. Nome, glória, posição social, nada tem sentido ou dura para sempre perante a eternidade. São rótulos incompletos que o tempo tratará de enterrar. O orgulho a terra um dia com certeza cobrirá, assim como a ferrugem cobre o velho sabre do guerreiro enterrado em algum campo de batalha do passado. Só o puro existir, o fio da existência quando a mente está quieta possue um real valor para o individuo na sua busca da evolução espiritual. A verdadeira revolução ocorre no seu interior para o exterior, como transmutação de elementos, chumbo transformado em ouro filosofal, lótus desabrochada, abundância que não ocupa espaço e por isso parece vazia.

O fio da existência, como o sentido de viver, não pode ter seu fluxo esgotado. É uma dádiva recebida de Tao, é o mistério do existir que permeia tudo que existe no Universo. O verdadeiro homem sábio tem o poder de reformular e criar o mundo exterior da matéria, a ilusão dos fenômenos, através de sua vontade que foi transmutada para encontrar a eternidade. Esse é o segredo guardado pelos magos do passado, a verdadeira fonte oculta de onde provêem as energias sobrenaturais, a vida eterna. A matéria do individuo pode morrer, seu espírito pode esvaecer pelo excessivo apego ao seu mundo material, mas o Tao, a fagulha, o fio que não se rompe, continuará conforme a sua vontade a existir nas “dez mil coisas”.

XLVI

Cavalos de Guerra

Quando a ordem do Tao prevalece no reino
os cavalos de guerra cultivam os campos.
Quando o reino não está de acordo com o Tao
a cavalaria abunda nos campos guardando as fronteiras.
Não há pecado maior que a ambição.
Não há desgraça maior do que ser insaciável.
Não há falta maior do que o apego.
Aquele que se contenta com a simplicidade
Possuirá todas as coisas do mundo.


Comentário:
Segundo Wilhelm o sentido de Tao aqui é: “Quando prevalece o bom senso”. Quanta sabedoria se revestem as palavras de Lao-Tzu, sua condenação contra a ganância dos homens, e de forma indireta uma advertência aos lords da guerra de então contra os males da ambição desmedida. Ainda hoje as grandes potências mundiais disputam pela força a hegemonia do mundo, com seus imensos arsenais ameaçam a segurança do mundo todo e promovem com seu parque fabril a destruição do meio ambiente do planeta para sustentar a ganância de suas elites e o consumo das multidões. Suas guerras de corso para saquear as riquezas naturais de outras nações visam manter as condições de abundancia artificial em suas sociedades cada vez mais consumistas. Guerra e destruição do meio ambiente são processos semelhantes e muitas vezes andam juntos como já sabia Lao-Tzu. O que ele deveria intuir é que os recursos naturais podem ser limitados e pela cobiça humana então esgotados, colocando em risco a própria existência da humanidade através da destruição das “Dez mil coisas”. O Tao impregna todas as coisas e os acontecimentos da vida, que possuem ascenção e decadência conforme forem sucedendo. Ao final do verso Lao-Tzu diz que devemos nos contentarmos com a simplicidade. Da mesma forma afirma Nietzsche: “É sinal de uma cultura superior apreciar mais as pequenas verdades pouco vistosas que foram encontradas com método rigoroso, do que os erros benéficos e ofuscantes que derivam de épocas e homens devotados à metafísica e à arte”. Muitos sábios escudados por várias desculpas no passado auxiliavam seus soberanos e ainda agora neste momento auxiliam seus governos na concepção de armas terríveis e no aprimoramento da capacidade de domínio e destruição de populações civis estrangeiras usando o argumento de suas crenças de “liberdade”, “patriotismo” ou “a defesa dos valores ocidentais”.  Apesar de toda a evolução tecnológica e material ocorrida isto ainda sucede hoje em escala crescente.

Por isso devemos contentar-se com a simplicidade das idéias, com o desapego das coisas materiais, lutar contra os apegos destrutivos que prejudicam relações e sentimentos. Aprender a viver cada dia como se fosse único, pois na verdade o é. Deixar de lado as ambições de possuir as coisas mundanas, buscar a autosuficiência em relação ao sistema vigente, um jogo de cartas marcadas de poderosos do capitalismo contemporâneo que vem dominando os recursos do planeta e utilizando-os como um marujo embriagado que recém chegou ao porto. Libertar nossa mente destes valores como se estivéssemos liberando sacos de lastro em um balão, libertando o espírito para vôos mais altos, sem deixar de lado contudo nossa sobrevivência.

XLVII
A Busca da Sabedoria

Podemos conhecer o mundo
sem nunca ter saído de casa.
Sem jamais ter olhado através da janela,
podemos encontrar o Caminho do Céu. (o Tao)

Quando mais longe se vai menos se sabe.
Portanto o Sábio é aquele que sabe sem se debater
e tudo compreende sem ver.
Atingindo assim seus fins sem nada fazer
tudo ele conquista.

Comentário:

Nosso destino não está em exóticas cidades distantes, nem em templos perdidos alhures, mas em nosso próprio ser, em nós mesmos. Não são necessárias longas jornadas para poder encontrar-se. Nem todo o conhecimento do mundo leva à sabedoria do viver. Muitos na ânsia de encontrar um significado viajam continuamente mas permanecem presos, hipnotizados em seu pequeno mundo. Presos ao mundo dos fenômenos físicos vagueiam sem encontrar nunca um porto seguro, com a mente em constante movimento. Quando a mente está em quietação o conhecer faz parte de uma percepção instantânea do seu estado de unidade com o cosmo, da sua natureza mais íntima.

A mente que se debate na discussão interna da incerteza de suas próprias crenças e angustiada sofre pela dúvida, não sabe de forma positiva. O “saber” é o término do debate.

XLVIII.
A Conquista do Mundo pela Não-ação (Wu Wei)

O discípulo da Sabedoria alcança aos poucos o Caminho Perfeito.
Quem segue o Tao busca a renúncia a cada dia, a origem da não-ação.
Pela contínua renúncia, na não-ação as coisas acabam sucedendo.
Nada fazendo tudo acaba sendo feito.
Os Sábios do passado conquistaram o Mundo sem nada fazer.
Quando o povo é compelido pelo governante a fazer algo
É por que o Mundo está muito além de sua conquista.

Comentário:

Não fazer fazendo é a melhor tradução para a palavra “Wu-wei”. Este princípio tão caro ao taoísmo não pode ser considerado como inércia, preguiça, laissez-faire ou simples passividade. Segundo os estudiosos, dentre seus inúmeros significados, “Wei” quer dizer: ser, fazer, praticar, criar, representar; e o ideograma correspondente significa falso, simulado, fingido. No contexto dos escritos taoístas, sem sombra de dúvida significa coerção, interferência, ardil, quer dizer tentar agir contra a natureza de Li. Assim seu contrário “Wu wei” no sentido de “sem coação” significa “seguir a natureza”, isto é, fluir com a energia, nadar a favor da corrente, velejar a favor do vento, seguir a maré e condescender para conquistar. Este é o estilo de vida do discípulo de Tao. O neófito alcança aos poucos através de suas práticas o caminho da renúncia a cada dia.

É na natureza que encontramos os exemplos, a lei do menor esforço dos organismos vivos que se alimentam e reproduzem com o mínimo de desgaste de energia. Assim também o ser vivo complexo, pluricelular, através de sua inteligência inconsciente, seu sistema motor e nervoso central, seu sistema simpático adquire sabedoria própria, sendo Wu-wei a combinação desta sabedoria. A escolha fisiológica da linha de menor resistência do organismo em todos os seus atos e atividades. Na renúncia da ação, através da não intervenção todas as coisas acabam correndo por elas mesmas. Nas artes marciais em geral este efeito natural é bastante empregado nas práticas e movimentos. Com uma pequena energia do defensor e a grande energia gasta pelo atacante, este último é derrubado e vencido. Assim nada fazendo tudo acaba sendo feito.

Foi assim que os Sábios do passado conquistaram o reino sem nada fazer, como Cristo, Zoroastro ou o Buda que conquistaram os mais distantes reinos sem exércitos sob seu comando.

Quando o povo é compelido pelo governante a fazer algo é porque o mundo está muito além de sua conquista e da capacidade de suas posses.

XLIX.

A Mente do Povo.

O homem Sábio não tem opiniões fixas, nem sentimentalismos
Sua é a mente do povo.
Para os bons sou bom.
Para os que não são bons também sou bom.
Pois a vida é bondade
(Desta forma todos seremos bons)
Para os sinceros comigo sou sincero.
Para os que não tem sinceridade também sou sincero.
Pois a vida é sinceridade.
Assim o Sábio aparenta ser indeciso,
Pois sem sentimentalismos mantém sua mente indiferente
Todos mantém os ouvidos voltados para ele.
E ele os trata como seus filhos diletos.

L

Viver a Vida

Viver leva o homem à morte
Os órgãos da vida são treze
São treze também os órgãos da morte.
De cada dez pessoas, três são companheiras da vida,
três são companheiras da morte,
e três são os que tanto valorizam a vida
e por isso na morte vão ingressando.

E por que razão?

Por sua ansiedade pretendem dar um sentido mais elevado
para suas vidas na tentativa de perpetuá-las.
Mas ouvi dizer que os que sabem viver viajam pela terra
 entre animais ferozes
Atravessam um exército sem temer suas armas aguçadas.
Os chifres do rinoceronte não tem poder contra ele.
Contra ele são inúteis as garras do tigre.
Assim como as armas dos soldados não podem lhe ferir.
O Sábio está acima da morte.
Ele não tem pontos vulneráveis.

Comentário:

Caso a humanidade tivesse utilizado o principio da não violência na Segunda Guerra Mundial, não seríamos senão um imenso rebanho domesticado por um senhor, e toda dignidade humana teria radicalmente deixado de existir, assim o próprio sentido da integridade humana não teria mais valor.

A integridade humana se aplica à integridade física, corporal, já que a integridade moral só é violada se o seu detentor o permitir. Nem ameaças, nem as piores torturas podem triunfar contra a integridade moral.

A dignidade humana, que não pode ser aumentada nem pela força, nem pelo poder, nem pela riqueza, ao contrário, está acima do plano físico, e não pode ser diminuída nem pela miséria, nem pelo sofrimento, nem pela morte. Àquele que a despreza na pessoa do seu próximo é que a perde; a não ser que a vítima voluntariamente aceite sua queda, e assim sendo torna-se cúmplice do agressor.

No enredo do BHAGAVAD Gíta, sagrado livro da tradição yogue, trata na sua epopéia alegórica desta questão aparentemente contraditória.

Arjuna em seu carro de guerra guiado pelo próprio Krishna, comandava seu exercito contra seu tio Bhishma que havia usurpado seu reino. O auriga divino levou o futuro rei ao alto de uma colina de onde se avistavam os dois exércitos em formação de combate. Arjuna foi tomado pelo desespero, em ambas as formações pessoas da mesma etnia e parentes entre si se preparavam para a matança.

Citamos de forma abreviada a passagem onde Arjuna dirige palavras de aflição ao amigo divino: “Oh!Krishna, vendo meus pares abrasados pelo desejo do combate, meu corpo treme e minha boca se resseca. Não gostaria de matá-los mesmo se com isso viesse a possuir o reino do mundo. Se matarmos estes que são parentes cometeremos grave crime. Seria melhor para mim ser morto pois não quero a eles resistir. Tomado pela dúvida não mais percebo meu dever. Suplico-te Krishna, instrui-me”.

Arjuna não tem em vista senão a integridade física dos combatentes. Krishna contesta que esta integridade é ilusória, pois os corpos são só aparências efêmeras, enquanto que a alma que os habita de forma passageira é indestrutível.

“Aquele que acredita que pode matar e aquele que acredita que pode ser morto, são ambos ignorantes: ninguém pode matar e ninguém pode ser morto”.

“Aquele que sabe que é indestrutível, permanente, pode cometer um assassinato? Do mesmo modo que um homem rejeita suas roupas velhas para se vestir de novas, do mesmo modo a alma rejeita seus corpos gastos para se revestir de novos. As armas não podem penetrá-la, nem o fogo queimá-la, nem a água molhá-la, nem o vento ressecá-la”.

Krishna explica à Arjuna que para cumprir seu dever (Dharma), é necessário, sem paixão, medo ou ódio, que desempenhe seu papel da melhor forma possível como chefe guerreiro.

“Reconhecendo como de importância igual o prazer e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota, assim cumprirás teu dever”.

LI
O Tao infunde-lhes o sopro da vida.
Te a Virtude, protege-os
O mundo da existência lhes dá forma
As circunstancias eventuais os completa
Por tudo isto todas as coisas do Universo
Adoram Tao e elevam Te, a Virtude.

Assim Tao é adorado e Te exaltado
Sem influencia de ninguém
 e de comum acordo com todos

Por tudo isto é que Tao dá o sopro da vida,
e Te os ampara,
fazendo-os crescerem, desenvolvendo-os
dando-lhes refúgio para viverem em paz,
alimentando-os, abrigando-os.

Tao lhes dá o alento da vida e nada lhes cobra.
Ajuda-os e não se apropria deles.
É superior e não os reprime.
Eis o que consiste a Virtude Mística.

Comentário:

A herança hologenética da vida, o pneuma, sopro divino, a informação cósmica primordial geradora da biosfera e sua lógica no plano da existência, a Virtude (Te) transformadora de Tao no universo sutil da matéria. Conhecimento dos Iniciados passado para o futuro nestes simples versos sobre a ilusão da existência.

                              

LII
A Posse do Absoluto



Foi no principio das eras

Quando da maternidade do Universo.

Pela Mãe de todos (das dez mil coisas) pudemos conhecer seus filhos

Pelos filhos reconhecer e conservar a Mãe de todos. (das dez mil coisas)

Quando tomamos consciência de ser seus filhos, ficamos livres de perigos.

Tapa todas as frestas, fecha todas as portas

e sua vida inteira será pura, sem mácula.

Quando abrimos os portais dos sentidos e da mente

em busca de unicamente saciar desejos

por toda a vida ficamos sem salvação, longe da libertação.

A percepção das pequenas coisas é clarividência e discernimento.

Manter o que é afável, macio, tenro

é ser forte.

Aproveita a claridade da luz

e encontra a clarividência

para que mais tarde não te ocorram perturbações

Isto se chama herdar o Eterno, possuir o Absoluto.


LIII
Pilhagem do Mundo



Se eu fosse de fato Sábio

Ao transitar pela Real Estrada de Tao

Evitaria os atalhos.

O Caminho é plano e fácil de ser transitado.

Mas o povo prefere os atalhos.

Os Cortesãos preferem suas belas vestimentas

Enquanto o campo está cheio de ervas daninhas

e os celeiros comunais vazios.

Com suas túnicas bordadas

e envergando belas espadas,

empanturrados de bebidas e finas iguarias,

ostentando riquezas ociosas

transbordam de falsa prosperidade.

Seus atos empurram o mundo para a pilhagem.

Não é essa a corrupção de Tao?

LIV

O Indivíduo e o Mundo



O que está firmemente plantado


Não é facilmente arrancado.

O que está bem preso entre as garras

Não escapará.

Oferecer sacrifícios aos antepassados

Jamais deve terminar

(Assim aquele que é lembrado nunca desaparecerá)

Cultiva a tua Virtude

e conserva tua autenticidade.

Cultiva-a na familia

e colhe os frutos do entendimento.

Cultiva-a na comunidade

e ela crescerá

Cultiva-a no Estado

e ele será próspero.

Cultiva-a no Mundo

e ela será Universal.

Portanto:

Pelas tuas virtudes julga os demais

Pelas virtudes da familia julga a familia

Pelas virtudes da comunidade julga teus semelhantes

Pelas virtudes do Estado julga o Estado

Pelas virtudes do Mundo julga o mundo

Como discrimino a natureza do Mundo?

Justamente por mim.


LV

Quem é rico pela Virtude

É como um recém nascido

Nenhuma peçonha o atingirá

Nenhuma besta selvagem o atacará

Nenhuma ave de rapina lhe deitará as garras

Seus ossos são flexíveis, seus músculos são elásticos, suas unhas fortes.

Ignorando a união dos opostos

seus orgãos permanecem intactos

Assim seu vigor não se esgota

Pode chorar o dia inteiro e todavia sua voz não enrouquece

pois está em total harmonia com o ser

Para aquele que conhece a harmonia

o segredo imutável de Tao se revela

Nele a sabedoria encontra o trono do discernimento.

Viver intensamente não conduz à felicidade

Quando as coisas se tornam maduras e fortes

logo envelhecem

Contrárias ao Tao elas logo chegam ao fim

LVI
Mística Unidade



Aquele que sabe sobre o Tao nada diz

Quem do Tao fala, nada sabe

Calafeta todos os teus vãos

Fecha as portas dos sentidos

Engrossa as muralhas da mente

Desfaz as complicações e apara as arestas

Modera teu brilho

Afoga teus tormentos terrenos

Eis o que é a Mística Unidade.

Assim então nem o amor nem o ódio poderá atingi-lo

Lucros ou perdas não o alcançarão

Honras e desfavores não poderão afetá-lo

Será o mais nobre dos homens sob o Céu


LVII
A arte de governar


A direção de um estado exige a arte de governar

A carreira das armas exige táticas e estratégias exaustivas

Conquista o mundo sem nada fazer

É preciso estar sempre livre de qualquer atividade

Como pode ser assim?

Da seguinte maneira:

Quanto mais proibições houver no mundo,

mais o povo empobrecerá

Quanto mais armas ferinas

mais a familia e o estado irã à ruína

Quanto mais engenhos técnicos

mais coisas perniciosas serão inventadas

Quanto mais leis e decretos são promulgados

mais ladrões e saqueadores haverão.

Por isso o Sábio governante diz:

Eu nada faço e os povos evoluem por eles mesmos

Não negocio e os povos enriquecem por conta própria

Estou livre do desejo e da cobiça

e os povos por eles mesmos retornam à felicidade

LVIII
O Governo Indolente



Quando o governo é indolente e estúpido

O povo é rico e generoso.

Quando o governo é alerta

O povo é mesquinho e torna-se descontente

Miséria!

A felicidade pode ser encontrada ao seu lado.

Felicidade!

A miséria em ti se esconde.

Quem conhece o limite?

Quem é capaz de prever suas derradeiras consequências?

Se o governo é sem retidão

A Ordem transforma-se em caprichos

E o bem em perversidade.

Tão longe no tempo já a humanidade se desvirtuou.

Por eras assim iludido o povo permanece até hoje confuso.

Assim o Sábio governante é como um esquadro.

Mas não fere ninguém com sua agudeza.

Sem puritanismo cultiva a integridade.

Sem ser arbitrário brilha sem ofuscar.


LIX
Moderação


Na liderança dos negócios humanos

nada melhor que ser econômico.

Ser econômico é prevenir.

Prevenir é estar preparado e ser forte.

Ser moderado em tudo é antecipar a vitória.

Antecipando a vitória se ampliam nossas capacidades.

Ter a capacidade ampliada é estar preparado

para possuir o mundo.

Ao conquistarmos a Mãe do mundo

garantimos nossa eternidade.

Este é denominado o Caminho (oTao)

da profunda da raiz e dos firmes ramos,

destino da imortalidade,

da contemplação

e da clarividência duradoura.


LX
O Governante



Governa o mundo como se desse liberdade

a um peixinho do tanque.

Aquele que governa o mundo de acordo com o Tao

acha que os espíritos perdem seu poder.

Eles na verdade não perdem seu poder

apenas deixam de prejudicar os homens.

O Sábio governante também ninguém injuria.

Quando essas duas potências: espíritos e Sábios

trabalham em comunhão,

o poder da Virtude paira,

suas boas influências convergem

para o supremo Tao.



LXI


O Grande Reino e o Pequeno Reino

Um grande reino é como um rio a jusante

para onde convergem todas as correntes do Universo.

É o princípio feminino do mundo

que pela sua passividade

sempre governa e vence o masculino.

Assim um grande reino absorve um menor.

Se o reino menor se submete

também absorve aquela grandeza.

Que mais deseja um grande reino

a não ser influir sobre outros?

E o que mais deseja o pequeno

a não ser garantir a proteção do grande?

Considerando que ambos desejam o mesmo

é o grande que deve ser humilde.


LXII


O Tesouro do Homem Bom

Tao, o Misterioso Segredo do Universo

é o tesouro do homem bom.

É também a salvação e o refúgio do mau.

Belos provérbios podem ser vendidos no mercado.

Nobre conduta pode ser uma dádiva

perante aos outros.

Mas os que não são bons entre os homens,

porquê se deveria rejeitá-los?

Portanto, ao coroar-se um soberano,

ou pela nomeação de ministros,

em vez de adereços de jade

ou parelhas de cavalos,

melhor é enviar uma dádiva ao Tao

De que modo os Antigos louvavam ao Tao?

Perdoando os condenados.

Assim o Tao é o tesouro do mundo.


LXIII
Cultivando a Semente

Aperfeiçoa-te em agir sem agir.

Ocupar-se sem se ocupar.

Prova o que não tem sabor

quer seja grande ou pequeno,

muito ou pouco.

Recompensa o vício com a virtude,

retribuí o rancor com a vida,

negocia com a dificuldade enquanto ela é fácil.

Negocia com o grande enquanto ele é pequeno.

Os problemas difíceis (do mundo)

precisam ser resolvidos,

quando ainda são abordáveis.

Os grandes problemas (do mundo)

precisam ser solucionados

quando ainda são pequenos.

Portanto o bom legislador

não traficando com grandes causas

atinge a grandeza.

Quem muito promete

na maioria das vezes não cumpre a palavra

Quem encara os problemas de forma leviana

terá por certo dificuldades

O legislador Sábio evita antecipadamente

as dificuldades

e assim soluciona as complexidades.

LXIV

Crescimento e Expansão

Aquele que mente com frequência é facilmente apanhado.


Aquele que ainda não se manifestou é fácil

de atrair.

Aquele que se mostra frágil

como o gelo depressa se dissolve.

O que é pequeno facilmente

se dispersa.

A ordem deve ser mantida

antes que se manifeste a desordem.

A maior árvore começou

como uma pequena semente.

Uma torre de nove andares começou

como um montículo de terra.

Jornadas de mil léguas começam

sempre pelo primeiro passo

Quem tudo quer tudo perde

Por isso o bom legislador nunca interfere,

e nada perde,

e por que não se apropria do alheio

preserva o próprio poder.

Os interesses humanos são frequentemente

prejudicados pelos espertos de má fé

Deve-se prestar atenção tanto ao início

como ao fim da ação,

assim nada será arruinado.

O único desejo do Sábio é não ter desejos.

O seu estudo nasce do não-estudo.

Ele restitui os valores que a multidão perdeu.

Assim ele acompanha a Natureza

sem interferir com seu curso.


LXXIII
O Castigo


A coragem ousada conduz à morte.

A coragem cautelosa conduz à vida.

Em ambos os casos há vantagens e desvantagens.

Mas quem na verdade sabe as vontades do Céu?

Mesmo que o filósofo veja isso

como uma questão difícil,

o Caminho do Céu (o Tao) deve ser conquistado

sem disputas,

recompensando vícios e virtudes,

sem palavras,

punindo e gratificando,

obtendo sua aparição

sem invocações,

alcançando seu objetivos

sem desígnios óbvios

A teia do Céu tem largas malhas,

mas nada dela escapa.

LXXIV
A Condenação

Se o povo não teme a morte

Como ameaçá-lo com a pena capital?

Admitindo que o povo tema o cadafalso

e os legisladores possam aprisionar e condenar

os turbulentos,

Quem se encarregaria disso?

Quem hoje executa

Amanhã pode ser aquele que será executado.

É o mesmo que manejar a machadinha

do mestre carpinteiro.

Quem tentar manejar a machadinha

sem perícia

Raramente deixará de machucar

as mãos ou perder os dedos.


LXXV
O Dízimo

O povo passa fome

quando os governantes cobram impostos

em demasia sobre os grãos.

Portanto o descontrole sobre as multidões,

as turbulências

são frutos da ingerência

de maus administradores

que gozam da boa vida.

Os povos fazem motins

quando não tem mais medo

da morte

e lutam pela própria sobrevivência.

Os governantes que menos interferem

com o povo no seu modo de vida

podem elevar seu padrão,

garantia da prosperidade de todos.


LXXVI
Quando nasce

o homem é fraco e flexível

Quando morre fica rígido

Ao brotarem

as plantas são delicadas e tenras

Quando morrem ficam secas,

quebradiças.

Portanto a dureza e a rigidez

são amigas da morte

e o tenro e frágil

são amigos da vida.

Eis porque quando um exército

é rígido, sem mobilidade

perde a batalha

Quando uma árvore é dura

deve ser posta abaixo

O grande e bruto é inferior. (o tronco)

O delicado e gentil é superior. (a copa)

LXXVII

O Caminho do Céu


O Tao do Céu

É como um arco curvado

pela força do arqueiro.

Ele empurra para baixo

o que está no alto.

E puxa para o alto

o que estava embaixo.

Aos poderosos humilha,

aos humildes exalta.

Reduz o que existe em demasia,

e preenche o que falta.

O Tao do homem não é assim:

tiram dos necessitados

para enriquecer os mais ricos.

Mas quem é capaz de distribuir

o fruto da própria fartura?

Só o perseguidor do Tao.

Portanto o Sábio influi sem se apoderar

Concluída a missão, ao natural,

não faz reclamos dos seus créditos

pois não pretende a superioridade



Comentário: "Quando somos tão ignorantes da vida, podemos conhecer a morte?" (Confucio)
O Espírito entre os gnósticos era esotericamente uma potência feminina, o raio procedente do manas superior, o ego inferior pessoal irradiado em cada entidade humana pelo Ego superior, o Deus que habita em nosso interior. Por conseguinte, afirmaram, justamente: "Não há um só Cristo, mas um acima e outro abaixo". De forma análoga Lao Tzu imaginou que a Energia Primordial preenche e completa a Unidade no Universo e por consequência na mente do homem que vive da ilusão de ser seu eu uma "ilha" autônoma e isolada da Criação. Mente e Criação são uma só entidade.


LXXVIII
A Força da Água

Nada é mais frágil que a água

Entretanto ela corrompe o mais duro

Nada a ela se iguala

Sua fraqueza é a sua força

Sua gentileza transforma-se em potencia.

Todos conhecem essa verdade

Mas são poucos os que a praticam.

É por isso que o Sábio exclama:

"Quem acolhe para si as mazelas de seu país

é o verdadeiro mártir".

"Quem sustenta os pecados do mundo

merece ser seu soberano".

As palavras verdadeiras parecem paradoxais

mas nenhum outro ensinamento 

pode tomar seu lugar.


LXXIX
Tratado de Paz

Quando se firma um armistício

Entre as partes sempre resta ressentimento

Como pode ser isso satisfatório?

Por isso o homem Sábio sela o acordo

como se fosse inferior

nunca levanta a voz

nem lança culpa 

sobre a facção oposta

mesmo em posição vantajosa.

O Sábio é aquele que procura conciliar

o homem errado só confirma seus erros

O Caminho do Céu é imparcial

sem afeições

coopera sempre com quem cumpre seu dever


LXXX
Utopia

Permita o soberano 

a existência dos pequenos povoados

onde os subsídios dos bons sejam dez, cem

vezes maiores do que necessitam seu povo

Deixa que eles vivam suas vidas

Assim eles não emigram para longe

Embora os caminhos estejam abertos 

e os transportes abundem

Embora existam armamentos e arsenais

não haverá quem os maneje ou ostente

Deixa o povo tramar suas cordas

para fazer com os nós seus cálculos

Deixa-os comer suas iguarias,

embelezar seus trajes,

alegrar-se em seus lares

divertir-se com seus costumes

Onde habita a concórdia

uns zelam pelos outros.

Só quando podemos ouvir o ladrar dos cães

e o cocoricar dos galos dos vizinhos

os povos podem findar seus dias

sem jamais pensar em fugir

para outros países.


LXXXI
O Caminho do Céu
( A Simplicidade do Tao )

As palavras verdadeiras nunca são sonoras.

As palavras sonoras quase sempre não são verdadeiras.

A Verdade não discute.

A discussão não tem mérito.

O Sábio não é erudito.

O erudito quase sempre não é sábio.

O Sábio não acumula posses.

Quanto mais ele é abnegado

mais bens interiores acumula

Quanto mais ele se despoja

mais atinge a abundancia

O Tao do Céu "favorece sem prejudicar".

O Tao do Sábio é buscar a perfeição

sem atritos.